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Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

«Resolução do Conselho de Ministros n.º 132/2021

Sumário: Aprova a Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSANP) foi criado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 103/2018, de 26 de julho, com o objetivo de contribuir para a definição de uma visão integrada das matérias relativas à segurança alimentar e nutricional, no quadro da concretização progressiva do Direito Humano a uma Alimentação Adequada, e em linha com as orientações da Organização das Nações Unidas no âmbito da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.

Mais do que uma plataforma interministerial, na qual reúne representantes de diversas áreas governativas e, também, dos Governos Regionais da Madeira e dos Açores, o CONSANP assegura igualmente a participação alargada de vários setores da sociedade civil, visando a promoção de um diálogo aberto, transparente e participativo.

Ao CONSANP foi cometida a elaboração da Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (ENSANP) que teria de ser desenvolvida em estreita articulação com outras estratégias nacionais cujas matérias se revelam indissociáveis, nomeadamente a Estratégia Integrada para a Promoção da Alimentação Saudável, a Estratégia Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar, a Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030, a Agenda de Inovação para a Agricultura 2020-2030 e a Estratégia do Prado ao Prato.

A ENSANP integra um diagnóstico da segurança alimentar e nutricional em Portugal, assim como uma análise da evolução das tendências da produção e do consumo, e um levantamento das diversas iniciativas e estratégias que se cruzam com os seus objetivos, tendo sido identificados quatro eixos estratégicos e sete medidas necessárias à sua implementação nos próximos anos.

A estratégia que o XXII Governo Constitucional adota através da presente resolução resulta do processo aberto e participado realizado no âmbito do CONSANP e pretende garantir uma atuação integrada que permita uma transição para sistemas alimentares e nutricionais sustentáveis, saudáveis, inclusivos e resilientes.

Assim:

Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:

1 – Aprovar a Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (ENSANP), enquanto referencial de atuação integrada para um sistema alimentar sustentável e saudável, que consta do anexo à presente resolução e da qual faz parte integrante.

2 – Definir que a implementação das medidas da ENSANP é assegurada pelas entidades competentes em razão da matéria, sob a coordenação e monitorização do membro do Governo responsável pela área da agricultura.

3 – Estabelecer que a ENSANP assenta nos seguintes eixos estratégicos:

a) Integração das políticas e governança;

b) Grupos vulneráveis, saúde e nutrição;

c) Bom funcionamento da cadeia alimentar;

d) Comunicação.

4 – Determinar que a presente resolução entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Presidência do Conselho de Ministros, 12 de agosto de 2021. – O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa.

ANEXO

(a que se refere o n.º 1)

Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

Nota de abertura

A criação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSANP) pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 103/2018, de 26 de julho e a elaboração da Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (ENSANP) respondem aos compromissos assumidos por Portugal, quer no âmbito da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), quer no contexto da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

Na primeira reunião do CONSANP, de 13 de março de 2019, presidida pelo então Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, foi deliberada a criação de um grupo de trabalho permanente (GTP) para a elaboração da ENSANP. Este grupo de trabalho, coordenado pelo Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral (GPP), integra também as áreas governativas da economia e da transição digital, da ciência, tecnologia e ensino, superior, da educação, da saúde, do ambiente e da ação climática e do mar, para efeitos de articulação com estratégias nacionais cujas matérias se revelem conexas, envolvendo, nomeadamente, a Estratégia Integrada para a Promoção da Alimentação Saudável (EIPAS) e a Estratégia Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar (ENCDA).

A elaboração da ENSANP culminou, em setembro de 2019 com a aprovação pelo GTP de um draft da mesma.

Na terceira reunião do CONSANP, de 21 de outubro de 2020, foi deliberada a sua revisão tendo em conta a necessidade de proceder a ajustamentos para refletir e contextualizar os efeitos da atual crise pandémica no setor agroalimentar e de adotar novas iniciativas, entretanto criadas e que interagem com o domínio da segurança alimentar e nutricional, quer a nível europeu, nomeadamente a comunicação da Comissão da Estratégia do Prado ao Prato, quer a nível nacional, com a adoção da «Terra Futura» – Agenda de Inovação para a Agricultura 2020-2030, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 86/2020, de 13 de outubro.

A ENSANP reúne os contributos das várias áreas governativas apresentados na sequência da primeira e terceira reunião do CONSANP, atualizados e estabilizados pelo GTP, assim como, num quadro de diálogo aberto, da consulta alargada a todas as entidades do CONSANP, garantindo-se, assim, a participação da sociedade civil com os seus múltiplos atores, desde o setor académico ao setor empresarial.

1 – Enquadramento

1.1 – A segurança alimentar

O objetivo de garantir o fornecimento de alimentos em quantidade e qualidade, de modo sustentável e acessível a uma população mundial crescente é um desafio que exige respostas multidisciplinares. Essas soluções têm de ser adotadas e adaptadas pelas diferentes comunidades nas várias geografias do globo por forma a construir sistemas alimentares sustentáveis que garantam a segurança alimentar e nutricional.

O papel das políticas públicas na segurança alimentar é, assim, incontornável. As políticas de alimentação no contexto internacional têm tido uma evolução histórica e vindo a integrar diferentes dimensões das preocupações das populações e/ou consumidores.

Numa fase inicial, a segurança alimentar esteve associada à suficiência da disponibilidade de alimentos (food security), centrando-se fundamentalmente na produção agrícola, tendo depois progredido para novos conceitos associados ao cumprimento de padrões de segurança alimentar (food safety), com o fornecimento de produtos seguros e também com o objetivo crescente de uma nutrição adequada.

Numa perspetiva mais abrangente e com a alteração dos hábitos alimentares decorrentes da progressiva urbanização e industrialização, em que a segurança do abastecimento em qualidade e quantidade está estruturada, surgem crescentes fragilidades que decorrem da insustentabilidade (uso dos recursos naturais e alterações climáticas) da cadeia de produção e de dietas desequilibradas com consequências na saúde das populações.

Deste modo, reconhece-se que a segurança alimentar, no sentido mais estrito em matéria de suficiência e dos padrões de segurança alimentar aplicados, ganha uma nova atualidade e universalidade, sendo o objetivo garantir uma alimentação sustentável e saudável. É igualmente reconhecido que a segurança alimentar, enquanto conceito genérico, não se circunscreve ao problema da fome, caminhando no sentido da procura de uma alimentação adequada que seja capaz de prevenir todas as formas de malnutrição, devendo adotar-se uma abordagem sistémica para toda a população mundial.

É necessário identificar e avançar na criação de zonas de reservas alimentares estratégicas nacionais, também de base marinha (1), enquadradas nas políticas de segurança alimentar nacional, quer para a agricultura, quer para as pescas e aquicultura, tornando a produção alimentar mais sustentável e menos dependente de recursos limitados.

Assim, a resposta das políticas públicas interseta-se em três áreas: ambiente e desenvolvimento sustentável, agricultura e pescas, produção e segurança alimentar e, crescentemente, ao nível da respetiva adequação de modo a obter ganhos de saúde e nutrição para a população.

1.2 – A dinâmica das Organizações Internacionais

A elaboração da ENSANP, no âmbito do CONSANP, está alinhada com as orientações da ONU consubstanciadas na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e com a Estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (ESAN-CPLP). Portugal responde, assim, ao compromisso assumido no CONSAN-CPLP de contribuir, à semelhança dos outros membros, para uma transição para sistemas alimentares e nutricionais resilientes, inclusivos e sustentáveis.

São várias as organizações e os programas que, no contexto internacional, intervieram e intervêm no processo de alinhamento com o novo paradigma alimentar, nomeadamente e de forma muito participada a ONU e as várias agências especializadas e programas e comissões que contribuem com estratégias no setor da alimentação, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), face aos compromissos que, a nível ministerial, têm sido assumidos por esta para dar resposta a alguns dos importantes desafios que se colocam na agenda internacional agrícola.

Por outro lado, ao nível de blocos geográficos como a União Europeia (UE), são também estabelecidas políticas e estratégias públicas que identificam objetivos mais adaptados às suas populações que por sua vez têm uma expressão nacional em estratégias e programas próprios.

As ligações entre comércio e segurança alimentar são claras em muitas áreas do trabalho da OMC. O Acordo Sanitário e Fitossanitário da OMC (Acordo SPS) assegura que os requisitos de segurança alimentar associados aos fluxos de comércio assentam numa base científica e que são adequados para o efeito que se propõem.

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a Organização Mundial de Saúde (OMS) contribuem, em conjunto, para o estabelecimento de uma estrutura facilitadora do comércio com base em padrões alimentares acordados internacionalmente, através do CODEX Alimentarius. O CODEX foi criado em 1963, com o objetivo de estabelecer normas internacionais na área dos alimentos, incluindo padrões alimentares, reconhecidos pelo Acordo SPS e relevantes para as medidas relacionadas com a rotulagem no âmbito do Acordo da OMC sobre Obstáculos Técnicos ao Comércio.

O CODEX Alimentarius, que resulta de uma parceria entre diversas organizações internacionais que inclui a OMC, estabelece 10 objetivos, entre eles, o fortalecimento da cooperação com outras organizações internacionais relacionadas com a segurança alimentar e práticas justas do comércio de alimentos (Objetivo 7) (2) A Resolução das Nações Unidas n.º 39/248, de 9 de abril de 1985, recomenda que os governos adotem, sempre que possível, as normas e diretrizes do CODEX Alimentarius, ao formular políticas e planos nacionais relacionados com alimentos.

A Organização Mundial para a Saúde Animal (OIE) e a Convenção Internacional para a Proteção das Plantas (IPPC) estabelecem as normas, em termos de comércio internacional, de proteção dos animais e das plantas, contribuindo para a sua proteção e para a segurança alimentar e assegurando condições para um comércio justo, seguro e equitativo.

As alterações climáticas e a globalização na produção e no comércio de alimentos, a par de uma população e urbanização crescentes, representam novos desafios para a segurança alimentar.

Passamos a identificar algumas das iniciativas que foram, ao nível destas organizações, determinantes para garantir progressos e direitos no domínio da segurança alimentar e nutricional:

. A ONU tem tido um desempenho fundamental na evolução histórica do reconhecimento do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e na conceptualização da segurança alimentar e nutricional, ajustando-os às novas dimensões que lhes estão associadas.

. O acesso a alimentos seguros e nutricionalmente adequados é um direito consagrado pela ONU. Em 1948, foi assinada a Declaração Universal dos Direitos Humanos que consagrou internacionalmente a alimentação como um direito humano fundamental, tendo sido, em 1999, o DHAA aceite pelos 162 Estados que ratificaram o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais da ONU: «[o] direito a uma alimentação adequada é realizado quando cada homem, mulher e criança, individualmente ou em comunidade, tem acesso físico e económicos, ininterruptamente, a alimentos adequados, ou a meios que permitam a sua aquisição».

. A criação da OMC, em 1995, a par da criação de um quadro de regras multilaterais, conduziram à alteração das políticas de apoio interno à produção agrícola e a condições de acesso melhorado aos mercados e estiveram na base de uma nova configuração dos países em matéria de geopolítica e geoestratégia, nomeadamente, do crescimento de um bloco de países emergentes.

A Conferência Ministerial de Nairobi, em dezembro de 2015, deliberou, no pacote agrícola então adotado, sobre um quadro de regras para os subsídios à exportação, num processo liderado pela UE e pelo Brasil, conduzindo à eliminação das restituições e criando, pela primeira vez, regras aplicáveis à exportação para os créditos e para a ajuda alimentar internacional com efeitos de distorção do comércio. Contribuiu-se, desta forma, para minimizar esses efeitos de distorção a nível mundial e para a formação de mercados agrícolas mais equitativos e sustentáveis (3).

. O conceito de segurança alimentar e nutricional da FAO, adotado aquando da Conferência Mundial de Alimentação de 1996 dispõe que «[e]xiste segurança alimentar quando as pessoas têm, permanentemente, acesso físico e económico a alimentos seguros, nutritivos e suficientes para satisfazer as suas necessidades dietéticas e preferências alimentares, a fim de levarem uma vida ativa e saudável».

. Em 2004, a FAO adotou por unanimidade as Diretrizes voluntárias de apoio à realização progressiva do DHAA que contêm um conjunto de recomendações para apoiar os países a realizarem, progressivamente, esse direito, no contexto nacional.

. Em 2011, a CPLP adotou a nível técnico e político, a ESAN-CPLP, para a realização progressiva do DHAA, num quadro de respeito pela soberania nacional.

. Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, adotados na Cimeira da ONU de 25 de setembro de 2015 e centrados nos cinco P’s (Pessoas, Planeta, Prosperidade, Paz, Parceria), definem as prioridades e aspirações do desenvolvimento sustentável global para 2030 e procuram mobilizar esforços globais neste conjunto de objetivos e em 169 metas comuns. Os ODS dão continuidade e expandem os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), tendo por base os progressos e as lições aprendidas com a operacionalização destes últimos no período compreendido entre 2000 e 2015 (4).

Esta é uma agenda com uma dimensão universal, a implementar por todos os países, e não apenas pelos países em desenvolvimento, como era o caso dos ODM. Cria um compromisso histórico de não só reduzir, mas também erradicar a pobreza (ODS1) e a fome (ODS2) (5) de forma sustentável.

Com o título «Fome Zero e Agricultura Sustentável», o ODS2 elenca oito metas para todos os países adotarem de acordo com suas prioridades para responder aos desafios ambientais do planeta. O cumprimento das metas estabelecidas pretende acabar com todas as formas de fome e má nutrição até 2030, garantindo acesso suficiente a alimentos seguros e nutritivos.

. A 21.ª Conferência das Partes (COP-21) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), de 30 novembro a 11 dezembro de 2015, possibilitou a adoção do Acordo de Paris pelas 195 partes da UNFCCC. Um dos objetivos é manter o aquecimento global «muito abaixo de 2ºC», envidando ainda «esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais».

2 – Os desafios de uma cooperação internacional renovada

Os sistemas alimentares estão a tornar-se mais complexos e interligados e já não são apenas um desafio dos países em desenvolvimento, mas da comunidade internacional no seu todo.

As soluções requerem um empenho e uma coordenação internacional reforçada para garantir o acesso a alimentos mais seguros e sustentáveis. As interligações entre as políticas de alimentação, saúde e comércio, são fundamentais para atingir esse objetivo comum.

(ver documento original)

As conclusões mais recentes da FAO alertam para o facto de o modelo «business-as-usual» (fazer o mesmo de sempre) já não ser uma opção para responder às necessidades de segurança alimentar e nutricional para todas as pessoas e para o planeta, face aos múltiplos desafios que a agricultura e alimentação enfrentam (6). Se os sistemas atuais são, provavelmente, capazes de produzir alimentos suficientes para satisfazer as necessidades de uma população crescente (projetada para alcançar mais de nove mil milhões em meados deste século e podendo chegar a mais de 11 mil milhões até ao final do século), há que fazê-lo de forma inclusiva e sustentável, respondendo às transformações necessárias.

A ONU alerta para o facto de a capacidade de a humanidade se alimentar no futuro estar em risco e que, sem esforços adicionais, não será cumprida a meta de acabar com a fome até 2030. Ainda há um longo caminho pela frente para atingir as metas traçadas para 2025 e 2030 as respeitantes à baixa estatura, ao baixo peso face à estatura, ao excesso de peso, à amamentação exclusiva, à anemia em mulheres e à obesidade adulta em adultos.

A FAO tem, ainda, vindo a destacar o papel central das regras e regulamentos comerciais na cadeia de fornecimento de alimentos, enquanto novas questões de saúde como a obesidade se tornam globais.

A oportunidade na resposta a todos estes desafios será, também, a de capitalizar os avanços tecnológicos, nomeadamente o comércio eletrónico e a digitalização, discutindo os seus impactos na segurança alimentar e no comércio, de modo a assegurar sinergias entre a segurança alimentar e a facilitação do comércio e promovendo regulamentos harmonizados de segurança alimentar num período de mudança e inovação.

Como corolário de todas as transformações necessárias para construir sistemas alimentares e agrícolas robustos e sustentáveis que revertam em melhorias da resiliência das populações afetadas e das pessoas vulneráveis, é imperativa uma abordagem global reforçada e articulada em termos de prevenção, preparação e resposta às necessidades humanitárias urgentes e às causas profundas associadas, desde as alterações climáticas aos conflitos económicos, às pressões políticas e sociais decorrentes das migrações.

A pandemia da doença COVID-19 provocada pelo coronavírus o SARS COV2 criou condições e riscos de disrupção nas cadeias de abastecimento globais, com consequências nos mercados de origem e de destino, mas criou também oportunidades para o desenvolvimento de modelos de produção local.

3 – A pandemia. Lições aprendidas

Embora não se tenha verificado em Portugal qualquer rutura persistente do abastecimento alimentar às populações desde o início da pandemia, nem problemas graves de acesso a matérias-primas ou a outros fatores de produção, existiram disrupções dadas as complexas e densas relações na cadeia de valor agroalimentar.

Houve, desde logo impactos, na produção e no rendimento de produtores agrícolas e agroindustriais pela quebra de procura associada ao fecho de canais de cadeias curtas como mercados locais e hotéis, restaurantes e cafés (HORECA), quebras pontuais de disponibilidade de mão-de-obra e de canais de fornecimento de fatores intermédios, menor disponibilidade de logística transporte e mais dispendioso.

Por outro lado, os padrões de consumo sofreram alterações (fecho inicial HORECA, produtos de menor valor acrescentado, aumento consumo em casa) e registaram-se numa fase inicial de disrupção em cadeias abastecimento, que levaram a medidas UE conhecidas como «corredores verdes» e «trabalhadores sazonais». Ocorreram outras disrupções «colaterais» como a seguir se indica e que devem ajudar a planear cenários futuros para situações de risco que possam colocar em causa a cadeia de abastecimento alimentar, da produção ao consumidor.

Com efeito, na semana que iniciou a 9 de março de 2020 começaram a ser tomadas em Portugal medidas que limitaram a circulação de pessoas (restrições aéreas de e para o norte de Itália), medidas de confinamento de pessoas e medidas de limitação da atividade económica, entre outras, que foram sendo densificadas desde que o estado de alerta foi decretado a 13 de março, seguindo-se o estado de emergência primeira vez decretado a 18 de março.

Os encerramentos e limitações ao funcionamento do canal HORECA, por um lado e, por outro, dos espaços comerciais, determinaram profundas mudanças num muito curto espaço de tempo nos fluxos de abastecimento dos sistemas alimentares em Portugal, tal como na generalidade dos países que tomaram igualmente medidas ativas de contenção da propagação da pandemia da COVID-19.

O colapso da procura do canal HORECA originou não só quebras, por vezes abruptas, em determinados circuitos de comercialização como, por exemplo, flores, produtos de maior valor como queijo ou carne de vaca de raças autóctones, produtos especialmente produzidos para restauração e certos produtos perecíveis, como afunilou para os supermercados a procura aumentada de bens alimentares, reflexo do aumento das refeições em casa por força do fecho de restaurantes e do confinamento da população.

As ruturas de stocks em produtos alimentares nos supermercados que se seguiram à declaração do estado de emergência foram pontuais, como o comprova o regresso a uma quase normalidade nas semanas seguintes e até hoje. Contudo, o funcionamento da cadeia agroalimentar, do prado ao prato, assenta num conjunto de serviços que passaram a estar menos disponíveis face à era pré-COVID-19, designadamente mão-de-obra na agricultura, agroindústria, plataformas logísticas e supermercados (absentismo de trabalhadores por razões profiláticas e/ou filhos menores a cargo e sem escola presencial) e tempos de transporte.

É, no entanto, de salientar a capacidade de ajustamento dos diversos agentes, uma vez que o abastecimento alimentar aos portugueses não foi posto em causa na primeira fase da pandemia.

Contudo, durante o período de encerramento de mercados locais e feiras de produtos tradicionais por razões de saúde pública houve uma retração importante na procura pelo consumidor e na oferta de produtores, designadamente produtores locais, tratando-se sobretudo de um problema económico para estes últimos. A reabertura progressiva desagravou estes problemas.

As restrições à aviação comercial (e também de carga), o encarecimento dos fretes de transporte rodoviário (mais tempo de viagem, menos disponibilidade e retornos em vazio) e também marítimo, a par de problemas de mão-de-obra, em particular no porto de Lisboa, colocaram também dificuldades de escoamento para exportação em alguns produtos (no setor das aves e ovos, flores, azeite, por ex.).

Importa ter em conta dois problemas que se colocaram. Por um lado, a circulação de transportes internacionais (corredores verdes) de produtos sem delongas na fronteira, incluindo alimentares, que normalizou desde que a Comissão Europeia publicou linhas de orientação específicas, e, por outro, a circulação de trabalhadores sazonais para a agricultura, este último particularmente importante quando coincidente com o período de maior necessidade para as colheitas.

É ao nível da disponibilidade de mão-de-obra que se podem situar maiores preocupações face ao absentismo profilático em unidades de logística da distribuição, em explorações agrícolas ou unidades agroindustriais.

Uma nota para a situação periférica de Portugal na geografia do transporte mundial de commodities, maioritariamente por via marítima (importância da operabilidade dos portos nacionais) e para a elevada dependência externa em cereais para alimentação humana e cereais e oleaginosas para a alimentação animal que deve exigir vigilância sobre potenciais medidas de restrição à exportação que possam vir a ser implementadas por países exportadores relevantes. É de assinalar que, sem prejuízo da situação de algum equilíbrio verificado no abastecimento destas matérias-primas, foram assinaladas perturbações pontuais na logística de abastecimento de alimentos concentrados às explorações, também particularmente afetadas pela perda de escoamento da produção e aumento de efetivos, com agravamento de custos que levam à necessidade de gestão ajustada e redução do recurso a estes alimentos.

Um dos efeitos colaterais da pandemia traduziu-se numa escassez de matéria-prima para fábricas de rações para animais que a prolongar-se poderia ter posto em causa a alimentação animal em Portugal. Com efeito, com a diminuição substancial de tráfego rodoviário nos primeiros meses da pandemia, a procura por combustível diminuiu de forma significativa. Uma vez que que existem obrigações legais de incorporação física de biocombustíveis, numa determinada percentagem mínima em volume de biodiesel no gasóleo utilizado no setor dos transportes terrestres, a matéria-prima para essa obrigação deixou de ser necessária nas quantidades tidas como normais, o que foi agravado por ser permitida também a incorporação de óleos reciclados no cumprimento desse mandato em biocombustíveis.

Ora, o facto de os óleos vegetais virgens terem sido incorporados em menor quantidade nos biocombustíveis, conduziu, na prática, à paragem da transformação de oleaginosas, sem que se obtenha o subproduto farinhas de oleaginosas que é matéria-prima para a indústria de alimentos compostos para animais.

Durante os primeiros meses da pandemia o acompanhamento da situação repartiu-se em várias estruturas criadas ou já previstas para situações de crise. Foi ativada a «Estrutura de Monitorização do Estado de Emergência» e a «Subcomissão da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil para acompanhamento da situação epidemiológica COVID-19».

Foram criados o «Grupo de Acompanhamento e Avaliação das Condições de Abastecimento de Bens nos Setores Agroalimentar e do Retalho em Virtude das Dinâmicas de Mercado determinadas pela COVID-19» (Coordenação. área governativa da economia e da transição digital (METD); área governativa da agricultura (MA) e o «Grupo de contacto» (Coordenação MA) destinados à consulta regular dos representantes dos operadores económicos dos setores da produção, distribuição e abastecimento de bens agrícolas e agroalimentares, com vista ao acompanhamento dos eventuais efeitos da COVID-19, avaliação das questões críticas mais prementes e agilização das respostas necessárias.

Estes dois grupos dissolveram-se no início do verão de 2020, com a constatação de nunca se ter verificado qualquer rutura persistente do abastecimento alimentar às populações, nem qualquer problema grave de acesso a matérias-primas ou a outros fatores de produção, tendo a cadeia de valor mantido a operação e a capacidade de produção e fornecimento de bens.

De acordo com o estudo «REACT-COVID – Inquérito sobre alimentação e atividade física em contexto de contenção social, conduzido pela Direção-Geral da Saúde (DGS), a COVID-19 parece ter contribuído para uma alteração nos hábitos alimentares de uma parte significativa da população nacional inquirida. Quase metade da população inquirida (45,1 %) reportou ter mudado os seus hábitos alimentares durante este período e 41,8 % tem a perceção de que mudou para pior. As razões para esta alteração parecem concentrar-se, em torno das medidas impostas pelo confinamento, que obrigaram a alteração no horário de trabalho (17,6 %) e no modelo de compras dos alimentos (34,3 %). Um segundo conjunto de razões parece associado ao stress vivido (18,6 %) e a mudanças no próprio apetite (19,3 %) e, um terceiro eixo de explicação aparece associado ao receio com a situação económica (10,3 %). Um em cada três portugueses (33,7 %) manifestou preocupação quanto a uma possível dificuldade no acesso aos alimentos e 8,3 % indicou mesmo ter dificuldades económicas no acesso a alimentos. As mudanças no consumo alimentar provocadas pelo confinamento relacionam-se essencialmente com o aumento do número de refeições feitas em casa na fase do confinamento, reduzindo muito a utilização das refeições pré-preparadas (40,7 %) ou take-away (43,8 %). Apesar de os inquiridos dizerem que consomem mais snacks doces (30,9 %) também o aumento do consumo de fruta (29,7 %) e hortícolas (21 %) é referido frequentemente. A maior parte dos inquiridos refere ter passado a cozinhar mais (56,9 %), infelizmente também a petiscar mais (31,4 %). Este facto associado ao sedentarismo pode explicar a perceção de peso aumentado durante este período reportado por 26,4 % da população.

Algumas alterações no comportamento alimentar parecem ter acontecido de modo agregado, tendo-se identificado um padrão alimentar menos saudável, caracterizado pelo aumento do consumo de snacks salgados, refeições pré-preparadas, refrigerantes e take-away e, por oposição, por uma diminuição do consumo de fruta e hortícolas. Este padrão de comportamento alimentar foi mais comum nos inquiridos mais jovens, do sexo masculino, com mais dificuldades financeiras e em risco de insegurança alimentar. Ou seja, durante o período analisado, a adoção de comportamentos alimentares mais saudáveis pareceu ser mais difícil de atingir nas populações mais jovens e desfavorecidas socioeconomicamente.

4 – Diagnóstico da segurança alimentar e nutricional em Portugal

4.1 – Portugal na UE e no contexto internacional

Portugal assinou ou ratificou todos os acordos internacionais mencionados nos pontos anteriores, enquanto Estado-Membro da UE, cumprindo todo o corpo normativo exigente e de qualidade da Política Agrícola Comum (PAC) e da Política Comum das Pescas (PCP), bem como o acima referido conjunto vasto de regulamentos relacionados com a segurança alimentar. A adoção de boas práticas agrícolas e a implementação de sistemas de rastreio da produção até à distribuição, tornando possível a monitorização e segurança dos alimentos ao longo de todo o processo, são garantes da sua qualidade.

A política de segurança alimentar da UE tem como objetivo proteger os consumidores, garantindo o bom funcionamento do mercado único, incluindo cobertura das exportações e importações, motivo pelo qual o mercado europeu é o espaço mais seguro do mundo.

A segurança alimentar, tanto no âmbito nacional como europeu, funda a sua política de forma integrada, concentrando a sua ação em quatro áreas de proteção: higiene dos alimentos, saúde e bem-estar animal, saúde e proteção das plantas e contaminantes e resíduos, monitorizando limites máximos aceitáveis aplicados tanto ao mercado doméstico como aos géneros alimentícios e alimentos para animais importados, assegurando assim a efetividade dos sistemas de controlo e a conformidade com as normas aplicáveis.

O Parlamento Europeu e o Conselho adotaram o Regulamento (CE) n.º 178/2002, de 28 de janeiro de 2002 (7) (legislação alimentar geral) que estabelece os princípios gerais e os requisitos da legislação alimentar que sustentam a tomada de decisões em matéria de alimentos e segurança, cobrindo todas as fases da produção e distribuição dos géneros alimentícios e alimentos para animais. Inspira-se no princípio do prado ao prato (“farm to fork”).

Regulamento (CE) n.º 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2002 instituiu a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA), na sigla inglesa de European Food Safety Authority) a qual fornece aconselhamento científico imparcial para ajudar as decisões dos formuladores de políticas sobre segurança alimentar.

A EFSA desenvolve a avaliação científica dos riscos alimentares, enquanto campo especializado da ciência aplicada que envolve a revisão de dados científicos e estudos em ordem a avaliar os riscos associados aos perigos na cadeia alimentar. Tem, ainda, um importante papel na comunicação dos riscos na cadeia alimentar aos seus principais parceiros, partes interessadas e ao público, em geral, de forma oportuna, clara e significativa, ajudando assim a colmatar o fosso entre a ciência e o consumidor.

Importa ainda dar nota que do recente exercício de revisão da legislação alimentar geral, resultaram propostas que visam incrementar a confiança dos cidadãos no processo de avaliação do risco, tornando-o mais transparente. Resultou ainda a evidência de uma comunicação de risco mais eficaz e coerente através de diferentes atores na UE em ordem a considerar mais empenhadamente a perceção dos riscos por todas as partes interessadas.

Para assegurar a conformidade com tais disposições normativas em toda a UE (e com todo o pacote de higiene – vulgos Regulamentos (CE) n.os 852/2004853/2004 e 854/2004), as autoridades competentes em segurança alimentar desencadeiam os controlos oficiais em toda a cadeia alimentar de acordo com o prescrito no Regulamento (CE) n.º 882/2004, cuja revisão é faseada – com início em 14 de dezembro de 2019 até plena aplicação a 29 de abril de 2022, na área da proteção das plantas – agora plasmada no Regulamento (CE) n.º 2017/625, de 15 de março.

No que respeita aos fluxos de comércio com países terceiros, as exportações nacionais cumprem este grau de exigência e respeitam a conformidade com os requisitos sanitários e fitossanitários colocados pelos países a que se destinam. Em matéria de importações, aplica-se por defeito o regime comercial da UE às importações de países terceiros, excetuando quando estão em causa importações no quadro dos acordos bilaterais da UE em vigor.

No quadro dos conceitos desenvolvidos sobre segurança alimentar, verifica-se, tendo presente o estádio de desenvolvimento dos sistemas alimentares na Europa em geral e em Portugal em particular, o cruzamento com a sustentabilidade alimentar, intersetando três eixos de ação: produção (e segurança alimentar), consumo e saúde, o que se procura ilustrar no esquema abaixo.

Sustentabilidade (Alimentar)

(ver documento original)

A sustentabilidade dos sistemas alimentares segue tendências atuais, alinhadas com a UE, visando avanços para sistemas alimentares mais robustos, seguros e sustentáveis (incluindo do ponto de vista da eficiência na utilização dos recursos e no do contributo para a neutralidade carbónica), mais exigentes do ponto de vista das preocupações em matéria de ambiente e clima, da integração da inovação e da introdução das novas tecnologias, tais como o crescimento do comércio eletrónico e da digitalização.

A UE tem como objetivo assegurar um elevado nível de segurança alimentar, saúde animal e vegetal no seio da UE, através de medidas coerentes desde o prado ao prato, assegurando uma monitorização adequada de forma a garantir um mercado interno eficaz. A implementação desta política europeia integrada de segurança alimentar envolve diversas ações, através de sistemas eficazes de controlo que avaliam a conformidade com as normas da UE ao nível da segurança alimentar, qualidade, saúde animal, bem-estar animal, nutrição animal e proteção de plantas.

(ver documento original)

Neste sentido importa ilustrar como está organizado em Portugal o controlo oficial na cadeia alimentar e da saúde. Esta informação consta do “country profile” (perfil do país) (8) nacional, na sua última versão publicada, que resulta das missões de auditoria comunitárias efetuadas pelos serviços da Comissão Europeia (DG-SANTE), a última das quais se encontra em fase de recolha de contributos para relatório final.

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É consensual a urgência para a mudança, sendo necessárias alterações radicais nos estilos de vida para enfrentar os desafios da crise climática, assim como em todos os processos produtivos e de transformação tecnológica industrial. Para este efeito, é ainda de considerar a relevância da comunicação e, particularmente, a comunicação de risco, como indutor de confiança no consumidor,

A aposta no digital pode acelerar a sustentabilidade, valorizando e projetando as estruturas de dados em plataformas de franca interoperabilidade que evidenciem para todos os intervenientes da cadeia alimentar o que os consumidores realmente valorizam e desejam.

Sustentabilidade – Quadro institucional

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(CHAFEA – Agência Executiva para os Consumidores, a Saúde, a Agricultura e a Alimentação)

Nas orientações de política no domínio da Segurança Alimentar e Nutricional para Portugal, destacam-se:

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Algumas tendências atuais nos três eixos produção – consumo – saúde:

Produção:

– «Terciarização» da agricultura e indústria, com a prestação de serviços como novo modelo de negócios.

– Volatilidade dos preços dos produtos agrícolas e alimentares, influenciada por dinâmicas macroeconómicas, energéticas, financeiras e geoestratégicas.

– Redefinição de rotas terrestres e marítimas face ao peso crescente das economias emergentes, a par da progressão do comércio de longa distância.

– Plataformas logísticas e importância da tecnologia e de sistemas de informação mais integrados e digitalização (e necessidades de regulação), que colocam questões de competitividade vs. assimetrias.

– Comércio eletrónico (local vs. global) e o papel da Internet.

– Biotecnologia vs. questões éticas.

Consumo:

– Distância crescente entre os consumidores e a origem dos produtos alimentares.

– Comportamento alimentar mais complexo, influenciado por caraterísticas socioeconómicas, demográficas, éticas e filosóficas, baseado em escolhas individuais.

– Consumo crescente fora do domicílio, por razões associadas à escassez de tempo e à procura de um alimento específico, associados, por ex., à procura de modelos étnicos de determinado modelo de alimentação.

– Perceção individual/coletiva de motivação para o consumo de produtos com elevada densidade energética, não condicional a uma consolidação dos seus riscos para a saúde (incluindo envelhecimento da população).

– Comércio eletrónico (local vs. global) e o papel da Internet.

– Tendências de consumo «saudável» (consumo «Bio», «Vegan», «Dieta Mediterrânica») e opinion makers (formadores de opinião) fora do setor.

– Exigência de padrões, rótulos, métodos de produção ambientalmente sustentáveis.

– Produtos (alimentos) com maior valor acrescentado e mais distantes, em valor, do produto de base.

– Peso crescente das marcas do distribuidor.

– Biotecnologia e questões éticas.

Saúde:

– Tendências de consumo saudável e opinion makers fora do setor.

– Regulação de consumos excessivos (sal, açúcar, ácidos gordos saturados, etc.).

– Disseminação de doenças para maiores distâncias.

– Biotecnologia e questões éticas.

– Existência de uma série de riscos emergentes (9) que importa identificar antecipadamente para uma melhor gestão futura.

– Hábitos alimentares como um dos fatores de risco modificáveis que mais determina o estado de saúde da população.

– Prevalência de doenças crónicas associadas à alimentação inadequada, como a obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares entre outras.

– Desigualdades sociais no acesso a uma alimentação adequada e na saúde.

4.2 – As políticas em Portugal com incidência na segurança alimentar e nutricional

Resolução do Conselho de Ministros n.º 103/2018, de 26 de julho, determina que o CONSANP deve contribuir para a definição de uma visão integrada das matérias relativas à segurança alimentar e nutricional, garantindo a convergência e a coerência, assim como a participação social no âmbito da adoção dos respetivos instrumentos, contribuindo para a concretização do DHAA.

Hoje são várias as áreas de política pública que, direta ou indiretamente, se intersetam nesse desiderato, razão de ser da criação de um CONSANP multidisciplinar com o objetivo de promover a intersetorialidade e a participação social na coordenação de políticas, legislação e programas de ação para a segurança alimentar e nutricional, contribuindo para o cumprimento do direito a alimentos adequados e para a definição de uma visão integrada das matérias relativas à segurança alimentar e nutricional.

O CONSANP integra ainda uma subcomissão especializada na área da segurança alimentar, coordenada pelos membros do Governo responsáveis pela ASAE e pela DGAV.

4.2.1 – Política Agrícola Comum

A PAC, evoluindo ao longo de 60 anos, mantém-se ancorada nos objetivos fundadores e inscritos desde o Tratado de Roma ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), cujo artigo 39.º define os respetivos objetivos específicos:

. Incrementar a produtividade agrícola, fomentando o progresso técnico, assegurando o desenvolvimento racional dos fatores de produção, designadamente da mão-de-obra;

. Assegurar um nível de vida equitativo à população agrícola;

. Estabilizar os mercados;

. Garantir a segurança dos abastecimentos;

. Assegurar preços razoáveis aos consumidores.

Embora atualmente a agricultura apenas represente uma parte marginal da economia dos países desenvolvidos, a intervenção pública tem sido ultimamente reforçada com políticas agrorrurais, que juntaram ao apoio da função tradicional da atividade primária – a produção de géneros alimentícios – outras dimensões como o desenvolvimento sustentável, a luta contra as alterações climáticas, o ordenamento do território e da paisagem, a diversificação e vitalização da economia rural ou a produção de energia e de biomateriais. O apoio aos bens públicos ou às funções não comerciais da atividade agrícola, ou seja, não remuneradas pelo mercado, tornou-se assim uma componente vital das políticas agrícolas e rurais mais recentes, que passaram também a incluir outras preocupações sociais, como o equilíbrio nutricional dos alimentos ou a redução do desperdício alimentar.

Com efeito, a produção alimentar necessita, de um modo geral, de terra e de intervenção ambiental e territorial e não tem melhor alternativa do que ser efetuada através de uma ocupação sustentável do solo pela atividade agroflorestal. Quando se verifica o desaparecimento da atividade agrícola na grande parte dos territórios rurais, a consequência é o agravamento de problemas como o abandono e a desertificação física e humana, com aumento do risco de incêndio e de propagação de algumas pragas e doenças, assim como a eventual perda de biodiversidade.

Mas a mera presença da atividade agrícola ou florestal não é suficiente, havendo que promover a presença efetiva de sistemas com práticas sustentáveis que permitam não só a produção de alimentos como também a produção de bens públicos em articulação com o resto da economia e comunidades locais.

A atividade produtiva deve, por conseguinte, ser suportada de acordo com o princípio de uma «gestão ativa» do território, centrada no principal ativo dos agricultores e produtores florestais que é o solo e a sua ligação com os restantes recursos naturais, porque só com base no seu uso sustentável, do ponto de vista económico e ambiental, é que será possível assegurar a resiliência e a vitalidade das zonas rurais.

Apesar da dinâmica do setor agrícola e agroalimentar português no século xxi, o saldo da balança comercial agroalimentar mantém-se negativo, tendo, no entanto, vindo a verificar melhorias, em particular entre 2011 e 2014 (-4,1 mil milhões de euros para -2,8 mil milhões de euros). Com a recuperação económica, observou-se um aumento das importações, em resultado do crescimento do consumo interno, voltando a aumentar o défice agroalimentar que em 2019 rondou os -3,8 mil milhões de euros.

O grau de autoaprovisionamento alimentar (em valor) tem-se mantido relativamente estável nos últimos anos rondando os 85 %, dado que a produção nacional tem acompanhado o crescimento do consumo (dados até 2018). Se se tiver em consideração as produções alimentares que são dirigidas para consumos intermédios dos próprios ramos alimentares (deduzindo, as duplicações ao longo da fileira, de que é exemplo a alimentação animal) apresentou, em 2017, 76,5 % (em 2010 apresentava 72,9 %).

Destacam-se os seguintes produtos agroalimentares com grau de autoaprovisionamento superior a 100 %: tomate para indústria (1015,9 %), vinho (113 %), azeite (160,5 %), pera (192,4 %) e manteiga (152,4 %). Com um grau de autoaprovisionamento inferior a 100 % salientam-se o óleo de girassol (7,5 %), açúcar (3,3 %), trigo (4,0 %) e milho (24,2 %).

O abastecimento alimentar em Portugal é uma preocupação histórica, sendo os défices alimentares persistentes e significativos, pelo que a gestão ativa do território acima descrita é importante para o equilíbrio económico, social e territorial, sendo, também, necessário aumentar a produção, em particular, nos setores onde os níveis de aprovisionamento são passíveis de fragilidades insustentáveis em condições extremas de redução comercial internacional, incluindo ao nível do mercado interno da UE, como foi possível observar com a eclosão da pandemia da doença COVID-19.

A PAC hoje e no futuro próximo visa, portanto, três objetivos centrais intersetáveis, de carácter económico, ambiental e socio-territorial, onde prevalece a garantia da segurança dos abastecimentos associada a outros objetivos mais vastos:

. Manutenção da atividade produtiva em todas as regiões, assegurando a resiliência agrícola e a ocupação e vitalidade das zonas rurais;

. Desenvolvimento de uma agricultura eficiente e inovadora, capaz de garantir relações equilibradas para os agricultores na cadeia alimentar e de satisfazer as necessidades alimentares e nutricionais dos cidadãos;

. Preservação dos recursos naturais (solo, água e biodiversidade), das paisagens diversificadas do território, assim como garantia de uma resposta concertada para a mitigação e adaptação às alterações climáticas.

4.2.2 – Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030

Portugal é um dos países com maior consumo de pescado per capita e importa cerca de 75 % dos produtos de origem marinha que consome. A capacidade de nos alimentarmos de forma sustentável e sustentada depende de uma exploração sustentável dos recursos marinhos vivos, do crescimento da aquicultura nacional, incluindo a produção multitrófica e offshore e de outras formas de produção proteica alternativas, através da utilização da biotecnologia e a diferenciação celular de novas linhagens celulares marinhas em laboratório, da impressão 3D e da procura de novas fontes proteicas marinhas de fácil produção.

Na transformação do pescado, devem fomentar-se os conceitos de desperdício zero e da valorização integral dos resíduos, coprodutos e subprodutos, assegurando que o processamento não impede a rastreabilidade e, consequentemente, a segurança alimentar. Importa promover o uso de ferramentas moleculares para combater a substituição fraudulenta de espécies marinhas de elevado valor por outras de menor valor, ou a utilização de espécies cujo stock esteja em risco, bem como desenvolver tecnologia que permita a monitorização de poluentes emergentes e micro e nanoplásticos em produtos de origem marinha destinados ao consumo humano. O desenvolvimento da fiscalização em terra e no mar faz parte da garantia de sustentabilidade e segurança na fileira do pescado. A sustentabilidade da alimentação deve incluir não apenas a produção nacional de pescado, na pesca e na aquicultura, mas também o consumo de pescado importado, identificando a sua origem, ponderando o impacto ambiental da forma como este é produzido e procedendo à avaliação de novos riscos decorrentes das alterações climáticas (como novos organismos tóxicos e novas toxinas) que podem determinar a necessidade de alterar legislação vigente e instalar novas competências para a sua deteção, impondo novos requisitos no quadro da segurança alimentar.

É bem conhecida a importância do pescado (incluindo todos os produtos da pesca, apanha e aquicultura) na dieta nacional, no sentido da quantidade, diversidade e qualidade proteica que fornece, e nas dimensões gastronómica, cultural e histórica. Porém, os elevados valores de importação de pescado que desequilibram a nossa balança comercial dos produtos da pesca, justificam que a autonomia e a segurança no abastecimento da cadeia alimentar (identificação da origem, qualidade e sustentabilidade) sejam consideradas vetores estratégicos da economia do mar. O PNPAS tem diretrizes no sentido de se reforçar o consumo de espécies de proximidade e promover a literacia da população nesta área, nomeadamente da população em idade escolar. Também a Agenda da Inovação para a Agricultura 2030 inclui como meta «Mais Saúde – aumentar em 20 % o nível de adesão à Dieta Mediterrânica», dieta esta onde o consumo de pescado assume um papel central.

A fileira do pescado em Portugal (pesca, aquicultura, transformação e comercialização dos seus produtos) representou 1,8 mil milhões de euros de valor acrescentado bruto (em 2018 e 62,3 mil empregos em 2017. Entre 2013 e 2019, o valor de peixe descarregado em lota aumentou 3 %, tal como o valor de capturas em 17 %, contudo o volume de capturas diminui 5 %.

O total de capturas da frota portuguesa resultou em 188.537 toneladas (43.841 em águas externas e 144.696 em águas nacionais). Entre portos nacionais e não nacionais foram descarregadas 171.717 toneladas (86 % fresco e 80 % em portos nacionais). Do total capturado, 137.669 toneladas corresponderam a pescado fresco ou refrigerado, transacionado em lota no valor de 295,3 milhões euros. Nesse ano, as exportações da fileira do pescado (produtos da pesca e da aquicultura e da indústria de congelados e conservas de peixe) representaram cerca de 1,8 % das exportações portuguesas de bens.

Entre 2013 e 2018 a produção e as vendas no setor aquícola cresceram 41 % e 124 %, respetivamente. Em 2018, a produção aquícola total foi de 13.992 toneladas e as vendas geraram uma receita de 96,8 milhões de euros. A produção em águas de transição e marinhas manteve-se predominante, correspondendo a 95 % da produção total (9.400 toneladas de moluscos e crustáceos e 3.860 toneladas de peixes). Em 2018, a indústria transformadora da pesca e aquicultura atingiu uma produção total de 220 mil toneladas (52,7 % congelados, 25,5 % secos e salgados e 21,8 % preparações e conservas) e faturou 1.067 milhões de euros. Estes valores revelam um decréscimo de 10,5 % nas quantidades produzidas, mas de um aumento dos valores transacionados de 25,7 % quando comparados com os resultados de 2013. A aquicultura ganha cada vez mais peso num contexto em que a produção pesqueira nacional é insuficiente para abastecer o consumo e as capturas de peixes marinhos são limitadas, num quadro de gestão e exploração sustentável dos recursos marinhos vivos. A aquicultura nacional constitui assim uma importante alternativa às formas tradicionais de abastecimento de pescado e dispõe de um grande mercado, de uma longa tradição de produção de moluscos e peixes em água doce e água salgada, que nos últimos anos tem recorrido a tecnologia avançada e moderna. Neste contexto, deve-se continuar a promover o desenvolvimento sustentável da aquicultura, em áreas previstas no Plano de Situação do Ordenamento do Espaço Marítimo Nacional e no Plano para a Aquicultura em Águas de Transição, fomentando elevados padrões de qualidade ambiental, quer nas estruturas produtivas em mar aberto, quer nas unidades de produção situadas em águas de transição ou onshore.

A estratégia de desenvolvimento deve passar também pela promoção da aquicultura multitrófica integrada, de forma a aumentar a capacidade produtiva em terra e diversificar a produção, diminuindo os impactos no meio marinho. Devem investigar-se novas metodologias de cultivo e novas espécies para consumo humano e para outros fins. Adicionalmente, deve ser fomentado o cultivo de algas e de outras espécies autóctones de baixo nível trófico, de forma a reduzir a dependência da pesca, o desenvolvimento de produtos de aquicultura de origem local numa ótica da cadeia de valor, apostando em soluções que privilegiem a economia circular e a utilização de subprodutos e recursos pouco explorados de origem local, apoiando também novos conceitos de embalagem, rotulagem e produto sustentáveis.

4.2.3 – Estratégia do Prado ao Prato

A Comissão Europeia adotou em 20 de maio de 2021 a Estratégia «Farm to Fork» (Estratégia do Prado ao Prato para um sistema alimentar justo, saudável e respeitador ao ambiente; F2F), anunciada em dezembro de 2019 como parte integrante do Pacto Ecológico Europeu, para tornar a Europa o primeiro continente climaticamente neutro até 2050.

Em termos de objetivos de política, a F2F coloca o foco nos consumidores, procurando garantir que os europeus têm acesso a alimentos saudáveis, acessíveis e sustentáveis, mas também nos produtores ao advogar uma distribuição mais equitativa do valor na cadeia alimentar. No meio está o combate às alterações climáticas, a proteção do ambiente e a preservação da biodiversidade e, ainda, a promoção da agricultura biológica.

A estratégia desenvolve-se ao longo de quatro grandes eixos, sendo o primeiro deles – garantir produção alimentar sustentável – aquele que mais desafios vai colocar aos produtores agrícolas (e de aquacultura) e às administrações nacionais, uma vez que é onde se centram as limitações imperativas propostas fixar ao nível da UE, mas que terão posteriormente de ser decididas pelos colegisladores para o nível nacional, num momento em que as administrações nacionais estão já desenhar os respetivos PEPAC, e onde as iterações F2F com a parte ambiente e clima da PAC são várias. Os quatro eixos são:

. Garantir produção alimentar sustentável;

. Estimular práticas sustentáveis na indústria alimentar, comércio por grosso, retalho e serviços de hotelaria e restauração;

. Promover o consumo alimentar sustentável, facilitando a mudança para dietas saudáveis e sustentáveis;

. Reduzir perdas e desperdício alimentar.

A F2F visa, portanto, otimizar a cadeia agroalimentar, reforçando a ligação entre produtores e consumidores, clima e ambiente, onde a parte mais visível são as metas UE já quantificadas:

. Uso de pesticidas na agricultura: reduzir o uso e risco dos pesticidas químicos em 50 % até 2030 e a utilização de pesticidas mais perigosos em 50 % até 2030;

. Nutrientes no meio ambiente: reduzir as perdas de nutrientes em, pelo menos, 50 %, assegurando simultaneamente que não haja deterioração da fertilidade do solo, o que reduzirá a utilização de fertilizantes em, pelo menos, 20 % até 2030;

. Resistência microbiana: reduzir as vendas de antimicrobianos para animais de criação e na aquicultura na UE em 50 % até 2030;

. Agricultura biológica: pelo menos, 25 % das terras agrícolas da UE cultivadas em agricultura biológica até 2030.

A comunicação da Comissão Europeia F2F contempla um plano de ação com 27 iniciativas que desenvolvem os quatro eixos estratégicos referidos, num calendário compreendido entre 2020 e 2023. Note-se que nem todas a ações preconizadas nesta comunicação estão refletidas no plano de ação, como, por exemplo, o aumento de área de agricultura biológica ou a redução de perdas de nutrientes.

A implementação da Estratégia F2F depende em larga medida de propostas legislativas da Comissão Europeia aos colegisladores, a maior parte delas com calendário de adoção pela Comissão Europeia até 2023.

4.2.4 – Plano de Ação para a Economia Circular em Portugal (10)

Inspirando-se nos mecanismos dos ecossistemas naturais, a economia circular (i) promove uma reorganização do modelo económico, através da coordenação dos sistemas de produção e consumo em circuitos fechados; (ii) caracteriza-se como um processo dinâmico que não só exige compatibilidade técnica e económica (capacidades e atividades produtivas), como também requer enquadramento social e institucional (incentivos e valores); e (iii) ultrapassa o âmbito e foco estrito das ações de gestão de resíduos, como a reciclagem, visando uma ação mais ampla, desde o redesenho de processos, produtos e novos modelos de negócio até à otimização da utilização de recursos, «circulando» o mais eficientemente possível produtos, componentes e materiais nos ciclos técnicos e/ou biológicos.

Atualmente, não existem indicadores designados para a medição da circularidade de uma economia. No entanto, é possível traçar um perfil do metabolismo da economia, isto é, como evolui em termos de extração, produtividade no uso, desempenho em reciclagem e emissões/efluentes.

O metabolismo de Portugal é lento, ou seja, é uma economia tendencialmente cumulativa em materiais: extrai e importa mais matérias-primas do que exporta produto acabado, acumulando materiais em stock, sobretudo do tipo imobiliário (por ex., edifícios e infraestruturas). O indicador de produtividade material demonstra que Portugal não evoluiu tão favoravelmente como, por exemplo, os seus parceiros Espanha e República da Irlanda, países que em 2005 estavam no mesmo patamar de produtividade que o português. Em 10 anos, melhorámos 23 %; a UE 30 %; a Espanha, 134 %.

Os princípios de economia circular são definidos como:

. Conceber produtos, serviços e modelos de negócio que previnam a produção de resíduos e poluição do sistema natural;

. Manter produtos e materiais em utilização, no seu valor económico e utilidade mais elevados, pelo máximo tempo possível;

. Fomentar a regeneração dos recursos materiais utilizados e dos sistemas naturais subjacentes.

O PAEC compreende três níveis de ações:

. Macro: ações de âmbito estrutural que produzem efeitos transversais e sistémicos, potenciando a apropriação de princípios da economia circular pela sociedade;

. Meso (ou setoriais): ações ou iniciativas definidas e assumidas pelo conjunto de intervenientes na cadeia de valor de setores relevantes para o aumento da produtividade e utilização eficiente de recursos do país, capturando benefícios económicos, sociais e ambientais;

. Micro (ou regionais/locais): ações ou iniciativas definidas e assumidas pelo conjunto de agentes governativos, económicos e sociais, regionais e/ou locais que incorporam o perfil económico local e o valorizam na abordagem aos desafios sociais.

Note-se que o setor agroalimentar, apesar de ser um setor relevante neste contexto, possui uma ação macro específica (“alimentar sem sobrar”) e pode ser também abordado no contexto da distribuição e do retalho, sobretudo pela via das ações sobre as embalagens e o desperdício alimentar.

A ação macro n.º 4 – alimentar sem sobrar: produção sustentável para um consumo sustentável – tem por objetivos conhecer e monitorizar a realidade nacional em matéria de desperdício alimentar na cadeia de valor, diminuir a produção de resíduos orgânicos e aumentar a produtividade da cadeia de valor, sobretudo dos setores ligados à indústria alimentar, contribuindo para a conservação dos recursos naturais, e promover a educação do produtor/consumidor. Os setores-chave identificados são:

. Produção agrícola e agroindústria;

. Pesca, aquicultura e indústria de pescado;

. Distribuição e retalho;

. Canal HORECA;

. Municípios;

. Sociedade civil e consumidor.

O problema particular das embalagens de plástico

A utilização crescente de embalagens de plástico, particularmente de uso único, é um reflexo do desenvolvimento económico e de uma cultura de conveniência, como é exemplo o aumento do consumo «on the go» de produtos alimentares e bebidas. Enquanto algumas embalagens têm um papel a desempenhar na proteção dos alimentos e no prolongamento do prazo de validade, muitas práticas de embalagem apenas contribuem para o desperdício de alimentos e para o aumento de resíduos de embalagens. Para muitos produtos, embalagens zero ou reutilizáveis representam uma solução viável e sustentável.

O sistema alimentar industrializado e globalizado da Europa é caracterizado por longas cadeias de fornecimento e múltiplos intermediários, sendo necessário repensar as cadeias de fornecimento. Muitas práticas de embalagem usadas pela indústria alimentar e do retalho (por exemplo, embalagens múltiplas) visam objetivos económicos e de marketing e não necessariamente a preservação dos alimentos. Também muitos serviços de alimentação, como fast food e serviços de entrega, contribuem para o desperdício de alimentos e para o aumento dos resíduos de embalagens de plástico.

A Europa produz anualmente cerca de 25,8 milhões de toneladas de resíduos de plástico, dos quais 59 % dizem respeito a embalagens, estimando-se que 40 % dos resíduos de embalagens de plástico tenham origem em embalagens para aplicações de contacto alimentar.

O Plano de Ação da UE para a Economia Circular identificou os plásticos como um domínio prioritário, reforçando a inovação no setor dos plásticos como contributo para a economia circular mediante a melhor preservação dos alimentos.

No contexto do plano referido, foi preparada a Estratégia Europeia para os Plásticos na Economia Circular, na qual é assumido que as embalagens de plástico contribuem para garantir a segurança dos alimentos e reduzir o desperdício destes, sendo essencial uma maior integração das atividades de reciclagem na cadeia de valor dos plásticos que permita alcançar padrões de qualidade mais elevados, nomeadamente, para aplicações de qualidade alimentar.

A Estratégia Europeia para os Plásticos prevê medidas e ações para reduzir a produção desnecessária de resíduos de plástico, especialmente provenientes de artigos descartáveis ou sobre embalagens, e incentivar a reutilização das embalagens, tendo resultado na publicação da Diretiva 2019/904/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de junho de 2019, relativa à redução do impacto de certos produtos de plástico no ambiente. A diretiva é aplicável aos produtos de plástico de utilização única mais encontrados nas praias europeias, onde se incluem algumas embalagens tais como recipientes para alimentos e bebidas, prevendo medidas de restrição à colocação no mercado, redução do consumo, recolha seletiva, requisitos de conceção ecológica, entre outras.

Os Estados-Membros devem assegurar que as medidas adotadas para transpor e aplicar a referida diretiva cumprem a legislação alimentar da UE, a fim de não pôr em risco a higiene alimentar e a segurança alimentar, e devem incentivar a utilização de alternativas sustentáveis ao plástico de utilização única para materiais destinados a entrar em contacto com alimentos. Em particular, no que se refere à redução do consumo de recipientes para alimentos e copos para bebidas, as medidas a implementar pelos Estados-Membros não podem pôr em risco a higiene alimentar, a segurança dos alimentos, as boas práticas de higiene, as boas práticas de fabrico, a informação dos consumidores, ou os requisitos de rastreabilidade previstos nos Regulamentos (CE) n.os 178/2002852/2004 e 1935/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, e na restante legislação aplicável relativa à segurança dos géneros alimentícios, à higiene e à rotulagem.

Um novo Plano de Ação para a Economia Circular

Em março de 2020 a Comissão Europeia adotou um novo Plano de Ação para a Economia Circular, um dos principais alicerces do Pacto Ecológico Europeu, o novo roteiro da Europa para o crescimento sustentável.

De acordo com a Comissão Europeia, o alargamento da economia circular aos agentes económicos em geral contribuirá de forma decisiva para que se alcance a neutralidade climática até 2050 e para dissociar o crescimento económico da utilização dos recursos (11). Para concretizar esta ambição, a UE tem de acelerar a transição para um modelo de crescimento regenerativo que restitua ao planeta mais do que lhe retira, progredir no sentido de o consumo de recursos não ultrapassar os limites do planeta e, nesse intuito, envidar esforços para reduzir o impacto ecológico do consumo e duplicar a taxa de utilização de materiais circulares na próxima década.

O plano de ação para a economia circular estabelece uma estratégia orientada para o futuro, no intuito de criar uma Europa mais limpa e mais competitiva em associação com os agentes económicos, os consumidores, os cidadãos e as organizações da sociedade civil. Visa acelerar a mudança transformadora requerida pelo Pacto Ecológico Europeu, tendo por base as ações desenvolvidas no domínio da economia circular desde 2015.

Por forma a garantir que todas as embalagens no mercado da UE sejam reutilizáveis ou recicláveis de uma forma economicamente viável até 2030, a Comissão Europeia reverá a Diretiva 94/62/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de dezembro de 1994, relativa a embalagens e resíduos de embalagens, a fim de reforçar os requisitos obrigatórios para as embalagens serem autorizadas no mercado da UE, assim como estudar medidas para reduzir o excesso de embalagem e resíduos de embalagens, fomentar a sua conceção numa perspetiva de reutilização e reciclabilidade, avaliar a viabilidade de um sistema de rotulagem da UE que facilite a correta separação dos resíduos de embalagens na origem, ou estabelecer regras para assegurar a reciclagem segura dos materiais plásticos diferentes do PET em materiais destinados a entrar em contacto com alimentos.

No capítulo dos alimentos, água e nutrientes, a economia circular pode reduzir significativamente os impactos negativos da extração e da utilização de recursos no ambiente e contribuir para restaurar a biodiversidade e o capital natural na Europa. Os recursos biológicos representam um contributo fundamental para a economia. A sustentabilidade dos materiais renováveis de base biológica beneficiará da Estratégia para a Bioeconomia e do respetivo plano de ação.

Serão estudadas medidas para aumentar a sustentabilidade da distribuição e do consumo de alimentos. No quadro da iniciativa em matéria de sustentabilidade dos produtos, será analisado o âmbito de uma iniciativa legislativa sobre a reutilização, tendo em vista substituir as embalagens, os artefactos para serviço de mesa e os talheres de utilização única nos serviços alimentares por produtos reutilizáveis.

4.2.5 – «Terra Futura» – Agenda de Inovação para a Agricultura 2020-2030

A «Terra Futura» – Agenda de Inovação para a Agricultura 2020-2030 (12), apresentada no outono de 2020, surge como resposta aos desafios e tendências que se fazem sentir no dia-a-dia da sociedade e, em especial, no setor agroalimentar, identificando neste âmbito necessidades e prioridades para o desenvolvimento do setor agroalimentar em Portugal nos próximos 10 anos:

. Criar uma sociedade mais informada e consciente sobre as suas escolhas, ciente dos contributos e impactos do setor agroalimentar na sua saúde e bem-estar;

. Valorizar os nossos recursos endógenos, gerir de forma sustentada os nossos recursos naturais, tendo por base uma gestão territorial integrada, e combater o despovoamento, através do desenvolvimento do tecido socioeconómico dos territórios rurais;

. Mobilizar os produtores em torno de uma cadeia de valor mais organizada, capacitada e inclusiva, com vista a uma agricultura mais competitiva e sustentável, económica, ambiental e socialmente;

. Fortalecer e adequar o ecossistema de inovação agrícola às necessidades reais do setor, e promover uma Administração Pública cada vez mais moderna e eficaz, ao serviço da sociedade e dos produtores;

. Atrair mais recursos, financeiros e humanos, para o setor agroalimentar, dinamizando o acesso a novas fontes de financiamento e captando jovens qualificados.

A agenda assume um conjunto de intenções estratégicas que recaem sobre quatro grupos principais de destinatários: os cidadãos, os agentes do território, os produtores (agricultores, proprietários rurais e indústria) e os agentes de políticas públicas. Estes grupos traduzem-se nos quatro pilares fundamentais da agenda: sociedade (cidadãos conscientes do papel da sua alimentação na promoção da sua saúde e bem-estar), território (agentes do território que protegem o planeta e valorizam os recursos naturais), cadeia de valor (produtores inovadores e competitivos à escala global), Estado (agentes de políticas públicas que apoiam a agricultura e promovem o seu desenvolvimento).

Dentro das 15 iniciativas emblemáticas que integram a agenda, destaca-se neste contexto a promoção da dieta mediterrânica e de uma alimentação equilibrada, diversificada e sustentável, iniciativa n.º 1 que pretende estimular a produção nacional, a adoção de sistemas de produção e distribuição mais sustentáveis, as cadeias curtas de abastecimento, a valorização dos produtos de qualidade, da dieta mediterrânica e a sensibilização dos consumidores e da população em geral para a adoção de uma alimentação nutricionalmente equilibrada e para o consumo de produtos de época e de carne de pequenos ruminantes autóctones, tendo em consideração as orientações do CONSANP.

4.2.6 – Estratégia Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar

A finitude dos recursos e matérias-primas que abastecem as várias atividades produtivas é uma preocupação crescentemente presente nos atores económicos e é, igualmente, um problema sobre o qual se têm vindo a debruçar as políticas públicas. Os conceitos, estratégias e objetivos delineados a nível global, europeu e mundial para o desenvolvimento sustentável, o crescimento verde e a economia circular correspondem à procura de respostas para a resolução deste problema.

Neste contexto, a alimentação desempenha um papel central, tendo em conta o facto de constituir uma necessidade básica que tem que ser garantida às populações, assim como ser um tema percetível por todos. Desta forma, o tema do combate ao desperdício alimentar tem um forte poder de influenciar comportamentos na adoção de lógicas de produção, transformação, distribuição e particularmente de um consumo que respeite os princípios da sustentabilidade e otimize a eficiência dos recursos.

Contudo, a evolução da estrutura e do funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar tornou-se mais distante do consumidor e mais complexa em resultado de diversos fatores dos quais são exemplo a abertura de mercados, a crescente urbanização, a modernização de operações de distribuição, etc.

Esta evolução, que compreende pontos positivos (aumento da produtividade na agricultura, inovação e diversificação da produção industrial, abastecimento de qualidade para o consumidor), acarretou também perdas e desperdícios ao longo do ciclo produtivo, levando à criação de iniciativas institucionais, quer a nível nacional quer ao nível da UE. Na componente marinha, realce para a produção em aquacultura dirigida à transformação que, por um lado, oferece um produto mais fácil de armazenar, preparar e consumir e, por outro, permite reciclar os subprodutos contribuindo para uma economia circular.

O tema do desperdício alimentar tenderá a ganhar crescente importância, tendo em conta a necessidade de alimentar uma população mundial em crescimento, através de uma produção sustentável. Na UE, estima-se que são desperdiçados, anualmente, 89 milhões de toneladas de alimentos, o que representa 179 kg per capita (13).

No quadro da ONU, Portugal é signatário das metas ambiciosas adotadas em 2015 relativas à redução do desperdício alimentar como parte dos ODS 2030. O Objetivo 12.3 preconiza para 2030 a “redução, para metade, do desperdício de alimentos per capita, a nível mundial, de retalho e do consumidor”, pretendendo-se igualmente reduzir os desperdícios de alimentos ao longo das cadeias de produção e de abastecimento, incluindo os que ocorrem pós-colheita.

A ENCDA, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 46/2018, de 5 de abril, assume plenamente esse objetivo de redução do desperdício ao longo das diferentes fases da cadeia agroalimentar, da produção até ao consumidor e é parte integrante do PAEC.

Esta estratégia foi desenvolvida de acordo com o mandato conferido à Comissão Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar (CNCDA), criada pelo Despacho n.º 14202 -B/2016, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 227, de 25 de novembro, que é ela própria sinónimo de pluridisciplinaridade ao integrar 9 áreas governativas em ligação com a sociedade civil.

A estratégia apresenta uma visão de «Desperdício alimentar zero: produção sustentável para um consumo responsável» e assenta em três pilares, três objetivos estratégicos: prevenir, reduzir, monitorizar, que se desenvolvem em nove objetivos operacionais:

. Aumentar a sensibilização para reduzir o desperdício alimentar;

. Aumentar a sensibilização da população em idade escolar para a prevenção do desperdício alimentar;

. Incrementar a formação dos agentes e operadores económicos;

. Desenvolver uma política proativa de comunicação de resultados;

. Aumentar a capacidade de inovação e potenciar as boas práticas na redução do desperdício alimentar;

. Reduzir barreiras administrativas;

. Reforçar a cooperação entre agentes;

. Desenvolver o sistema de medição do desperdício nas diferentes fases da cadeia;

. Desenvolver o sistema de reporte do desperdício nas diferentes fases da cadeia.

4.2.7 – Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (14)

O PNPAS, criado através do Despacho n.º 404/2012, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 10, de 3 de janeiro, e complementado pelo Despacho n.º 3463/2012, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 49, de 8 de março, estabelece os seguintes objetivos:

. Conhecimento sobre os consumos alimentares da população portuguesa, os seus determinantes e consequências;

. Estratégia facilitadora da mudança de comportamentos, concretizada através de legislação e outros mecanismos que permitam modificar a disponibilidade de certos alimentos, nomeadamente em ambiente escolar, laboral e em espaços públicos;

. Promoção de práticas alimentares saudáveis, em especial aos grupos mais desfavorecidos, através da informação e capacitação para a compra, confeção e armazenamento de alimentos saudáveis;

. Articulação integrada com outros setores, nomeadamente agricultura, desporto, ambiente, educação e segurança social, de forma a identificar e promover ações que incentivem o consumo de alimentos de boa qualidade nutricional;

. Desenvolvimento de estratégias que melhorem a qualificação e o modo de atuação dos diferentes profissionais que, pela sua atividade, possam influenciar conhecimentos, atitudes e comportamentos na área alimentar.

O PNPAS tem como finalidade melhorar o estado nutricional da população, incentivando a disponibilidade física e económica de alimentos constituintes de um padrão alimentar saudável e criar as condições para que a população os valorize, aprecie e consuma, integrando-os nas suas rotinas diárias.

Um consumo alimentar adequado e a consequente melhoria do estado nutricional dos cidadãos não só tem um impacto direto na prevenção e controlo das doenças mais prevalentes a nível nacional (doenças cardiovasculares, oncológicas, diabetes e obesidade), mas também deve permitir, simultaneamente, o crescimento e a competitividade económica do país noutros setores, como os ligados à agricultura, ao ambiente, ao turismo, ao emprego ou à qualificação profissional.

Para atingir os cinco objetivos gerais, o PNPAS propõe um conjunto de atividades distribuídas em seis grandes áreas:

. Agregação e recolha sistemática de indicadores do estado nutricional, do consumo alimentar e seus determinantes ao longo do ciclo de vida, avaliação das situações de insegurança alimentar e avaliação, monitorização e divulgação de boas práticas com o objetivo de promover consumos alimentares saudáveis ou protetores face à doença a nível nacional;

. Modificação da oferta de determinados alimentos (com elevado teor de açúcar, sal e gordura), controlando o seu fornecimento e vendas nos estabelecimentos de ensino e formação, de saúde, nas instituições que prestam apoio social e nos locais de trabalho e incentivando a maior disponibilidade de outros alimentos como a água, o pescado, frutos ou hortícolas frescos; promoção de ações de reformulação nutricional dos produtos alimentares através de uma atuação articulada com a indústria alimentar e com o setor da restauração alimentar, ou ainda através de outras atividades que possam influenciar a disponibilidade alimentar, tendo em conta os conhecimentos e consensos científicos mais recentes;

. Aumento da literacia alimentar e nutricional e capacitação dos cidadãos de diferentes estratos socioeconómicos e etários, em especial dos grupos mais desfavorecidos, para as escolhas e práticas alimentares saudáveis e o incentivo de boas práticas sobre a rotulagem, publicidade e marketing a produtos alimentares;

. Identificação e promoção de ações transversais com outros setores da sociedade, nomeadamente agricultura, desporto, ambiente, educação, autarquias e segurança social. Estas ações deverão permitir, entre outros objetivos, promover a adoção de um padrão alimentar mediterrânico, suscetível de incentivar o consumo de alimentos de origem vegetal, sazonais, nacionais, com recurso a embalagens ou meios de transporte que reduzam a emissão de poluentes; desenvolver ferramentas eletrónicas que permitam o planeamento de menus saudáveis, de fácil utilização e economicamente acessíveis com informação dos preços para indivíduos e famílias e desenvolver uma rede a nível autárquico de monitorização de boas práticas e projetos na área da promoção da alimentação saudável para os munícipes;

. Melhoria da formação e qualificação e modo de atuação de diferentes profissionais que podem influenciar consumos alimentares de qualidade, nomeadamente ao nível da saúde, estabelecimentos de educação e formação, autarquias, turismo e restauração ou da segurança social;

. Melhoria dos métodos de intervenção e articulação dos profissionais e estruturas que lidam com o fenómeno da obesidade;

. No que respeita à rotulagem, as respetivas regras podem permitir, pela sua simplificação e clareza, que os consumidores obtenham informações abrangentes sobre o conteúdo e a composição dos produtos alimentares, promovendo escolhas conscientes e informadas. Desta forma, os consumidores no momento de escolha dos seus produtos alimentares podem contribuir para influenciar e mudar paradigmas alimentares tendencialmente mais saudáveis.

O PNPAS é um programa de saúde prioritário enquadrado no Plano Nacional de Saúde – Extensão 2020 da DGS.

4.2.8 – Estratégia Integrada para a Promoção da Alimentação Saudável (15)

A promoção de uma alimentação mais saudável é uma prioridade em Portugal, no âmbito das políticas de saúde pública, em linha com as orientações da OMS e da Comissão Europeia. Foi neste contexto, numa lógica da saúde em todas as políticas, que foi criado o grupo de trabalho interministerial, através da Deliberação do Conselho de Ministros n.º 334/2016, de 15 de setembro, com o objetivo de elaborar uma estratégia para a promoção da alimentação saudável que visasse incentivar o consumo alimentar adequado e a consequente melhoria do estado nutricional dos cidadãos, com impacto direto na prevenção e controlo de doenças crónicas.

A EIPAS é uma estratégia interministerial para a promoção da alimentação saudável coordenada pela área governativa da saúde, mas que envolve outras seis áreas governativas, nomeadamente o Ministério da Agricultura, o Ministério do Mar, a Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, a Secretaria de Estado das Autarquias Locais, a Secretaria de Estado da Educação, a Secretaria de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor e a Secretaria de Estado do Turismo.

A EIPAS veio a ser aprovada através do Despacho n.º 11418/2017, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 249, de 29 de dezembro, e teve por base documentos estratégicos da OMS e da Comissão Europeia na área da promoção da alimentação saudável e ainda os dados mais recentes produzidos pelo Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física e outros estudos recentes na área. A análise destes dados permitiu identificar os principais problemas nutricionais da população portuguesa, dando origem a diferentes propostas de intervenção constantes nos quatro eixos da estratégia, e que são:

. Eixo 1: modificar o meio ambiente onde as pessoas escolhem e compram alimentos através da modificação da disponibilidade de alimentos em certos espaços físicos e promoção da reformulação de determinadas categorias de alimentos.

Pretende-se neste eixo estratégico fazer com que as ofertas e as escolhas saudáveis sejam mais fáceis em termos de preço, acesso e atratividade, promovendo a melhoria da disponibilidade e a composição dos alimentos, em particular nos seus conteúdos em sal, açúcar e ácidos gordos trans.

. Eixo 2: melhorar a qualidade e acessibilidade da informação disponível ao consumidor, de modo a informar e capacitar os cidadãos para escolhas alimentares saudáveis

Pretende-se neste eixo estratégico identificar atividades/iniciativas que facilitem o acesso por parte do cidadão a informação de qualidade para uma escolha informada. Atualmente existe bastante informação sobre alimentação, mas é difícil aos cidadãos distinguir informação isenta e de fácil compreensão fornecida por autoridades independentes e credíveis, devendo o Estado assumir um papel importante nesta matéria.

. Eixo 3: promover e desenvolver a literacia e autonomia para o exercício de escolhas saudáveis pelo consumidor

Pretende-se neste eixo estratégico capacitar os cidadãos de vários níveis de literacia para as escolhas saudáveis na medida em que as doenças crónicas têm cada vez mais um gradiente social, sendo mais prevalentes nas populações com menor escolaridade e com situação económica mais frágil. Por outro lado, para o sucesso deste eixo programático é necessário envolver e capacitar outros profissionais que não apenas os da saúde, para a promoção de hábitos alimentares saudáveis, nas populações com quem trabalham, dotando-os de conhecimento e capacidades para estas intervenções.

. Eixo 4: promover a inovação e o empreendedorismo direcionado à área da promoção da alimentação saudável

Pretende-se neste eixo estratégico identificar iniciativas que utilizem a inovação e o desenvolvimento tecnológico para modificar conhecimentos, atitudes e comportamentos face à alimentação saudável, aproveitando a capacidade empreendedora do microtecido económico e empresarial português.

4.2.9 – Oferta alimentar em meio escolar

A alimentação escolar é uma medida de ação social escolar, de caráter universal, destinada a todos os alunos, expressa na Lei de Bases do Sistema Educativo, que visa assegurar uma alimentação nutricionalmente equilibrada, saudável e adequada às suas necessidades.

A alimentação é uma das áreas prioritárias na área da educação em Portugal, estando permanente revertida, quer no currículo, quer na oferta alimentar. No que respeita ao currículo, a segurança alimentar e o direito à alimentação são um dos subtemas que integram o Referencial de Educação para a Saúde, documento (16) que pretende ser uma ferramenta educativa flexível, passível de ser utilizada e adaptada em função das opções e das realidades de cada contexto educativo e formativo, desde a educação pré-escolar ao ensino secundário, nas suas diferentes modalidades de educação e formação, em qualquer disciplina ou área disciplinar.

Relativamente à oferta alimentar em meio escolar (apoios alimentares) e de formação, esta enquadra-se como uma das medidas da ação social escolar que visa a prevenção da exclusão social e do abandono escolar no âmbito de percursos educativos e formativos e a promoção do sucesso escolar e educativo, de modo que todos, independentemente das suas condições sociais, económicas, culturais e familiares, cumpram a escolaridade obrigatória e tenham a possibilidade de concluir com sucesso o ensino secundário, em qualquer das suas modalidades (cf. artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 55/2009, de 2 de março).

Os apoios alimentares têm por objetivo a promoção do sucesso escolar e educativo, o desenvolvimento equilibrado e a promoção da saúde das crianças e jovens que frequentam a educação pré-escolar e os ensinos básico e secundário, e passam pelo seguinte:

a) A distribuição diária e gratuita de leite;

b) O fornecimento de refeições gratuitas ou a preços comparticipados;

c) A promoção de ações no âmbito da educação e higiene alimentar;

d) A distribuição de fruta e hortícolas a alunos de municípios que integrem o regime escolar (17).

O conceito da segurança alimentar, na ótica de uma refeição nutricionalmente equilibrada, é, pois, desenvolvido em permanência em Portugal em meio escolar, promovendo a equidade no acesso a refeições para todos os alunos (para muitos, a totalidade das refeições diárias) a um custo reduzido ou gratuito.

4.2.10 – Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (18)

Portugal tem vindo a assumir um conjunto de compromissos associados a documentos-chave que proporcionam um enquadramento relevante para uma compreensão das perspetivas contemporâneas da educação para a cidadania e do desenvolvimento sustentável.

Os diferentes domínios da educação para a cidadania estão organizados em três grupos com implicações diferenciadas: o primeiro, obrigatório para todos os níveis de qualificação e ciclos de escolaridade (porque se trata de áreas transversais e longitudinais) inclui a saúde (promoção da saúde, saúde pública, alimentação, exercício físico), o segundo, pelo menos em dois ciclos do ensino básico, o terceiro com aplicação opcional em qualquer ano de escolaridade.

No âmbito da ENEC, há vários domínios obrigatórios em todos os ciclos de ensino, relacionados com a segurança alimentar, como direitos humanos, saúde, desenvolvimento sustentável, educação ambiental ou igualdade de género.

Para além da ENEC, a própria educação para a saúde, obrigatória em todo o sistema educativo e formativo, reforça a abordagem de temáticas relacionadas com a educação alimentar (e, concomitantemente, com a segurança alimentar) em todas as escolas, e ao longo de toda a escolaridade.

4.2.11 – Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas (19)

As dificuldades no acesso aos alimentos, decorrentes de situações de carência socioeconómica, são um dos problemas onde a intervenção social é premente. As famílias em situação de insegurança alimentar, ou seja, as famílias onde existe uma situação que se caracteriza pela disponibilidade limitada ou incerta de alimentos, podem apresentar mais frequentemente uma ingestão insuficiente de nutrientes (nomeadamente ferro, cálcio, iodo e vitamina C), que por sua vez está associada a situações de doença aguda, tais como anemia, a uma menor capacidade do sistema imunológico ou a défices cognitivos e de aprendizagem em crianças.

Por outro lado, vários são os estudos que demonstram que a insegurança alimentar é um importante fator de risco para as doenças crónicas, sendo que os indivíduos em situação de insegurança alimentar possuem um risco aumentado para o desenvolvimento de diabetes mellitus, hipertensão, dislipidemias, doenças cardiovasculares e obesidade.

O Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas (PO APMC) é o programa que em Portugal operacionaliza verbas do Fundo de Auxílio às Pessoas Mais Carenciadas (FEAC), adotado pelo Regulamento (UE) n.º 223/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 2014, que veio substituir o Programa de Ajuda Alimentar a Carenciados (PCAAC), programa esse que continha o duplo objetivo de articulação entre a PAC e a promoção da estabilização dos mercados agrícolas e o desenvolvimento de respostas sociais.

O FEAC foi instituído no âmbito do Quadro Financeiro Plurianual 2014-2020 com o propósito de operar uma mudança de paradigma no apoio alimentar a prestar, de forma a promover a coesão social, concorrer para o objetivo de erradicação da pobreza na UE, em alinhamento com os objetivos da Estratégia Europa 2020, na sua dimensão de reduzir o número de pessoas em risco de pobreza e exclusão social (pelo menos, 200 mil pessoas em situação de pobreza até 2020) e contribuir efetivamente para atenuar as formas mais graves de pobreza.

O PO APMC tem uma abrangência a nível nacional (Continente e Regiões Autónomas) e assume-se, assim, como um instrumento de combate à pobreza e à exclusão social em Portugal e que visa diminuir as situações de vulnerabilidade que colocam em risco a integração das pessoas e dos agregados familiares mais frágeis através da distribuição de bens alimentares, com o propósito de reforçar as respostas das políticas públicas existentes.

Complementa três outros dispositivos nacionais, a saber: i) o Programa de Cantinas Sociais; ii) o apoio alimentar, através de vale ou cartão, implementado na Região Autónoma da Madeira desde 2013; e iii) Prestações pecuniárias de caráter eventual, atribuídas no âmbito da ação social, parte integrante do sistema de segurança social português.

Foi definido um cabaz alimentar que cumprisse os requisitos de adequabilidade nutricional e dieta equilibrada e demais aspetos de natureza climática e ambiental, trabalho realizado em parceria com a DGS.

O PO APMC visa, em respeito pela mudança de paradigma que se procurou alcançar, operacionalizar a sua estratégia ancorada nos seguintes objetivos:

[] Contribuir para esbater o nível de insegurança alimentar e, por esta via, ter impacto na atenuação das situações de desigualdade social;

[] Proporcionar apoio alimentar efetivo, regular e permanente;

[] Proporcionar um rendimento disponível para os destinatários que faça diferença no orçamento mensal das famílias, apesar de se concretizar num apoio não pecuniário;

[] Garantir a cobertura equilibrada de todo o território nacional, através de um planeamento prévio, que permita alcançar as zonas onde há mais necessidades.

O programa, de forma a contribuir para a concretização do objetivo do FEAC, assumiu uma intervenção focalizada no combate à privação alimentar alicerçada na implementação das seguintes operações/medidas:

. Aquisição de produtos alimentares;

. Distribuição de produtos alimentares às pessoas mais carenciadas;

. Medidas de acompanhamento que visam capacitar os destinatários do apoio alimentar a vários níveis, procurando promover a sua inclusão social.

O PO APMC é financiado pelo FEAC e pelo Orçamento do Estado e visa apoiar a aquisição, o armazenamento, o transporte dos alimentos e a posterior distribuição às pessoas mais carenciadas.

A implementação do PO APMC é assegurada através de uma colaboração estreita entre entidades públicas e as entidades do setor social com o objetivo de melhor fazer chegar o seu apoio às famílias carenciadas.

Com efeitos a sua operacionalização conta com a colaboração dos Institutos da Segurança Social do Continente e Regiões Autónomas, que assumem competências muito relevantes, quer na qualidade de beneficiários, ao nível da operação de aquisição do apoio alimentar, quer na qualidade de organismo intermédio, ao nível da operação de distribuição dos alimentos.

No âmbito da operação de distribuição alimentar, o programa e a atuação dos três institutos acima referidos conta com uma estreita cooperação de mais de 650 entidades parceiras do setor social.

As entidades parceiras assumem a qualidade de beneficiárias da operação de distribuição de géneros alimentares, distinguindo-se entre aquelas que assumem funções de polo de receção e as que assumem funções de entidades mediadoras. Às primeiras cabem as funções de receber e armazenar os referidos bens, garantir a sua entrega nas instalações das entidades mediadoras e coordenar a operação e às segundas entidades cabe a distribuição direta dos bens aos destinatários finais e previamente a essa distribuição verificar a elegibilidade das pessoas e ou famílias. Estas entidades desenvolvem o seu trabalho de receção e distribuição do apoio alimentar distribuídas num total de 146 operações (135 no Continente, oito nos Açores e três na Madeira), que se encontram espalhadas por todo o território nacional de forma a garantir que o apoio alimentar preconizado pelo programa se efetiva de modo equilibrado e equitativo.

O programa configura apoio alimentar e medidas de acompanhamento promotoras da autonomia, responsabilização e capacitação das pessoas mais carenciadas, ajudando-as na redução das dificuldades e contribuindo para a promoção da inclusão social.

Tem-se procurado assegurar o envolvimento dos parceiros relevantes. Nestes processos foram auscultadas as seguintes entidades consideradas como parceiros relevantes nesta área: EAPN Portugal – Rede Europeia Anti Pobreza; Cruz Vermelha Portuguesa; Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares Contra a Fome; Cáritas Portuguesa; União das Misericórdias Portuguesas (UMP); Ordem dos Nutricionistas; Fundação Assistência Médico Internacional; Associação Nacional das Freguesias; Associação Nacional de Municípios Portugueses e Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade.

De sinalizar ainda que a implementação do PO APMC tem sido suportada através do estabelecimento de parcerias com a DGS, nomeadamente no que respeita à definição do cabaz alimentar e com a ASAE que, na qualidade de entidade pública portuguesa responsável pela avaliação e comunicação dos riscos na cadeia alimentar, garante a conformidade da distribuição de géneros alimentares com as regras de segurança.

Perante as circunstâncias extraordinárias causadas pela pandemia associada ao surto da COVID-19, foi adotada uma alteração ao regulamento do FEAC introduzida pelo Regulamento n.º 2020/559, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2020, que passou a possibilitar a distribuição dos alimentos e/ou assistência material de base de forma indireta, através de vales ou cartões em formato eletrónico. Na sequência da possibilidade conferida pela regulamentação comunitária, encontra-se em análise a operacionalização desta nova forma de distribuição de apoio alimentar no âmbito do PO APMC.

O Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 manterá a componente de combate à privação material, nomeadamente, através da distribuição de apoio alimentar às pessoas mais carenciadas, ainda que neste quadro o FEAC não seja mais tratado como um fundo autónomo, encontrando-se integrado no Fundo Social Europeu Mais, criado pelo Regulamento (UE) 2021/1057, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de junho de 2021.

4.2.12 – Dieta Mediterrânica (20)

A Dieta Mediterrânica já se encontra inscrita como património cultural e imaterial da humanidade pela UNESCO.

A dieta mediterrânica é um conjunto de competências, conhecimentos, práticas e tradições relacionadas com a alimentação humana, que vão da terra à mesa, abarcando as culturas, as colheitas e a pesca, assim como a conservação, transformação e preparação dos alimentos e, em particular, o seu consumo.

O modelo de consumo alimentar desta dieta, permaneceu constante através do tempo e do espaço. Os ingredientes principais são o azeite da oliveira, os cereais, as frutas, hortícolas e leguminosas, uma proporção moderada de carne, peixe e produtos lácteos, abundantes condimentos e cujo consumo à mesa é acompanhado de vinho com moderação ou infusões, respeitando sempre as crenças de cada comunidade.

A dieta mediterrânica – cujo nome deriva da palavra grega díaita, que quer dizer modo de vida – não compreende apenas a alimentação, pois é um elemento cultural que propicia a interação social, verificando-se que as refeições em comum são uma pedra angular dos costumes sociais e da celebração de acontecimentos festivos. A dieta mediterrânica originou também um conjunto considerável de conhecimentos, cânticos, refrões, contos e lendas.

Assim, permanece uma atitude de respeito pela terra e a biodiversidade e garante a conservação e o desenvolvimento de atividades tradicionais e artesanais ligadas à agricultura e às pescas em muitas comunidades dos países do Mediterrâneo […]. As mulheres desempenham um papel fundamental tanto na transmissão de práticas e conhecimentos específicos sobre rituais, gestos e celebrações tradicionais, como na salvaguarda de técnicas.

É de ter em conta que a promoção da Dieta Mediterrânica constituiu por si uma medida do eixo 3 da EIPAS e que se constitui como uma das principais áreas emblemáticas da «Terra Futura» – Agenda de Inovação para a Agricultura 20 | 30, determinando que tenha sido estabelecida a meta de aumento em 20 % do nível de adesão à dieta mediterrânica até 2030.

4.2.13 – Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Alimentar (21)

A Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Alimentar (PARCA) é presidida pelos membros do Governo das áreas governativas da agricultura e economia e envolve na sua composição representantes da produção agrícola (Confederação dos Agricultores de Portugal, Confederação Nacional da Agricultura e Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola de Portugal, CCRL), da indústria agroalimentar (Confederação Empresarial de Portugal (CIP), Federação das Indústrias Portuguesas Agroalimentares e CENTROMARCA-Associação Portuguesa de Empresas de Produtos de Marca) e do retalho (Confederação do Comércio e Serviços de Portugal e Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED), assim como organismos da administração com atuação na matéria, GPP, Direção-Geral das Atividades Económicas (DGAE), Direção-Geral do Consumidor e Autoridade da Concorrência.

Foi criada em 2011 por despacho conjunto dos Ministros da Agricultura e da Economia (Despacho conjunto n.º 15480/2011, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 219, de 15 de novembro), com a missão de promover a análise das relações entre os setores de produção, transformação e distribuição de produtos agrícolas, com vista ao fomento da equidade e do equilíbrio na cadeia alimentar, promovendo ao mesmo tempo a competitividade da economia portuguesa, estabelecendo uma concorrência saudável e contribuindo para o aumento da produção nacional e da autossuficiência, em valor, deste setor.

Ao longo das reuniões plenárias já realizadas entre 2015 e 2018, a PARCA abordou temas como: i) Código de Boas Práticas (CdBP); ii) transparência: estudos da NOVA/IMS (Information Management School); iii) avaliação do diploma das práticas individuais restritivas do comércio (Decreto-Lei n.º 166/2013, de 27 de dezembro); iv) desenvolvimentos UE na cadeia agroalimentar; v) valorização da produção nacional; vi) marcas de distribuição; vii) organizações interprofissionais; e viii) inovação e valor acrescentado.

Um dos factos mais relevantes no contexto da PARCA foi a assinatura, em dezembro de 2016, do «Código de Boas Práticas Comerciais para a Cadeia de Abastecimento Agroalimentar», trabalhado primordialmente entre a CIP e a APED. Foram adotados na íntegra pelos parceiros privados da PARCA os princípios constantes do documento europeu «Relações Verticais na Cadeia de Abastecimento Alimentar: Princípios de Boas Práticas» proposto pelos membros nucleares da plataforma B2B, de 29 de novembro de 2011.

O código referido aplica-se às relações comerciais e aos contratos de fornecimento para o abastecimento agroalimentar em Portugal e visa reforçar a transparência, assegurando a promoção da equidade e da reciprocidade entre parceiros e criando soluções de monitorização e de resolução de conflitos entre os associados das partes subscritoras.

4.2.14 – Iniciativa Km0 Alentejo (22)

Esta iniciativa é aqui mencionada como ilustrativa de inúmeras outras iniciativas de nível local ou regional de igual valor colocadas em prática em Portugal.

Trata-se de uma iniciava que, embora de âmbito regional, pode ser considerada emblemática ou exemplo, no estímulo ao comércio de proximidade, promotor do consumo de alimentos mais frescos, com redução de desperdícios e de consumos energéticos associados à distribuição de alimentos.

A iniciativa Km0 Alentejo tem como principal missão potenciar o consumo de produtos agroalimentares de origem loca, e, também, a produção e transformação dos mesmos, contribuindo para a diversidade e resiliência dos sistemas alimentares e para a valorização dos produtos locais.

Este conceito permite ainda alertar para a pegada ecológica resultante do consumo energético associado aos processos de produção em regime intensivo, embalagem, transporte e armazenagem dos géneros alimentares produzidos a grande distância do local de consumo.

Tem como objetivos aumentar a sustentabilidade nas várias dimensões: ambiental, económica, social e saúde/bem-estar, pressupondo que, com a certificação dos produtos desde a origem, passando pela transformação, estabelecimentos de venda e restauração, se criam as condições de implementação do Km0 Alentejo na região. Para implementação desta iniciativa, estão envolvidas entidades com diferentes valências, em estreita colaboração com os agentes sociais e económicos da região.

A iniciativa pretende estimular a circulação económica dentro da comunidade e a oferta de produtos alimentares diferenciados e verdadeiramente reveladores do carácter da região. O envolvimento da restauração (refeitórios escolares e restaurantes) e lojas (incluindo mercados locais), juntamente com campanhas de promoção do conceito e da iniciativa Km0 Alentejo dirigidas ao consumidor final, gera o volume de mercado necessário para garantir a viabilidade e consequente sobrevivência das explorações.

O Km0 Alentejo visa ainda o empreendedorismo e o desenvolvimento de novos modelos de negócio, com o estabelecimento de novos produtores que cada vez mais procuram modos de produção mais sustentáveis (biológico, integrado, permacultura), tendo desta forma um impacto positivo direto sobre o emprego. Este tipo de emprego aposta assim na adaptação às alterações climáticas, no uso eficiente dos recursos, e na promoção da biodiversidade. A possibilidade de estas unidades de produção desenvolverem ainda atividades ligadas ao ecoturismo, reforça também o desenvolvimento turístico local e regional e, consequentemente, económico da região.

A iniciativa procura ainda a valorização social da figura do agricultor pelos cidadãos, como promotor da conservação da paisagem e fornecedor de produtos sustentáveis, saudáveis e de qualidade. Os programas de colaboração com as escolas também desempenham esse papel, tanto por via do trabalho com as cozinheiras dos refeitórios escolares, como por via das ações de sensibilização junto de alunos e encarregados de educação do primeiro ciclo e ainda nas escolas profissionais, pela inclusão destes conceitos e desta iniciativa nos programas curriculares.

5 – Necessidades

Hoje, diferentes estratégias concorrem para a segurança alimentar e nutricional em Portugal. O diagnóstico feito no capítulo anterior mostra que a maior parte delas envolveu ou envolve participação multidisciplinar de diferentes áreas de política e de diferentes atores da sociedade.

Por essa razão, e numa ótica de complementaridade, interdisciplinaridade e eficiência da atuação pública, entende-se que é a partir da sinergia do que já está no terreno que melhor se pode potenciar uma estratégia de segurança alimentar e nutricional em Portugal, numa abordagem holística e integrada.

Com efeito, na perspetiva de uma ENSANP, os principais traços comuns às diferentes estratégias e instrumentos atualmente em vigor, podem agrupar-se nos seguintes vetores de atuação:

1 – Melhoria do estado nutricional da população portuguesa;

2 – Segurança dos abastecimentos alimentares, incluindo dos grupos mais vulneráveis;

3 – Melhor funcionamento da cadeia de valor agroalimentar, incluindo a redução do desperdício alimentar;

4 – Qualidade da informação ao consumidor;

5 – Empreendedorismo e inovação em matéria de segurança alimentar e nutricional (antecipando os riscos emergentes e continuando a garantir que os géneros alimentícios comercializados em Portugal são sãos e seguros).

Relação entre as necessidades e as políticas/estratégias em vigor

(ver documento original)

Interação entre necessidades e políticas/estratégias em vigor (“++” corresponde a maior grau de interação)

6 – A Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional para Portugal

6.1 – Visão, missão e eixos de intervenção

A visão da ENSANP visa dar corpo à resolução do Conselho de Ministros que institui o CONSANP, com o propósito de «[g]arantir uma atuação integrada para um sistema alimentar sustentável e saudável».

A visão é concretizada na missão de «[g]arantir a convergência, a coerência, e a participação social na adoção dos instrumentos para a definição de uma visão integrada das matérias da segurança alimentar e nutricional».

Do cruzamento entre, por um lado, as necessidades e, por outro lado, a visão e a missão, resultam quatro eixos estratégicos, sendo o primeiro ligado à integração das políticas e governança, focando-se os eixos 2 e 3 em prioridades de intervenção centradas, respetivamente, numa melhoria do acesso a alimentos seguros, sustentáveis e nutricionalmente adequados, em especial pelos grupos mais vulneráveis, e no bom funcionamento da cadeia alimentar.

O eixo 4, transversal aos três eixos anteriores, centra-se na comunicação da implementação e resultados da ENSANP.

6.2 – Eixos estratégicos

Eixo 1 – Integração das políticas e governança

Eixo 2 – Grupos vulneráveis, saúde e nutrição

Eixo 3 – Bom funcionamento da cadeia alimentar

Eixo 4 – Comunicação

O primeiro eixo estratégico – integração das políticas e governança – é o garante da “atuação integrada” assumida na visão, ou seja, o sistema alimentar sustentável e saudável é mais eficazmente atingido quando se exploram as sinergias e complementaridades das múltiplas dimensões das políticas públicas e dos seus instrumentos, atentas as cinco necessidades identificadas na presente estratégia.

A resposta às necessidades identificadas que dizem respeito à melhoria do estado nutricional da população portuguesa, à segurança dos abastecimentos alimentares, incluindo dos grupos mais vulneráveis, e ao empreendedorismo e à inovação em matéria de segurança alimentar e nutricional (necessidades n.os 1, 2, 4 e 5) está materializada sobretudo no eixo 2 – grupos vulneráveis, saúde e nutrição.

O eixo 3 – bom funcionamento da cadeia alimentar visa dar resposta às demais preocupações além da segurança dos alimentos. Não só à segurança do abastecimento alimentar, naquilo que é também o sentido mais tradicional do termo, mas sobretudo naquilo que hoje é mais importante num Estado-Membro da UE, que é a capacidade de ter um ambiente institucional e empresarial em economia de mercado, onde a concorrência seja sã e leal, e sejam mitigadas ou nulas as assimetrias de informação entre os diferentes agentes económicos. Com efeito, pretende-se contribuir para o melhor funcionamento da cadeia de valor agroalimentar, incluindo a redução do desperdício alimentar, uma das cinco necessidades identificadas.

Por fim, o eixo 4 – comunicação – transversal aos três eixos específicos, visa assegurar uma estratégia comunicacional dirigida ao público em geral, dando a conhecer a implementação da ENSANP e os seus resultados.

6.2.1 – Eixo 1 – integração das políticas e governança: objetivo global e intervenção

A ENSANP tem necessariamente uma perspetiva dinâmica, carecendo de um modelo de governança que integre as políticas e instrumentos públicos que, ao nível das várias áreas governativas, intervêm nos eixos 2 – grupos vulneráveis, saúde e nutrição e eixo 3 – bom funcionamento da cadeia alimentar, e de uma monitorização periódica das intervenções a promover para colmatar situações de insegurança alimentar e nutricional, evitando sobreposição de medidas/intervenções.

O modelo de governança da segurança alimentar e nutricional adota uma abordagem intersetorial no quadro das políticas que abrangem este tema e reconhece a necessidade de consultar diversos setores governamentais e da sociedade civil, para o estabelecimento e operacionalização da ENSANP, no alinhamento das suas prioridades e intervenções.

O objetivo global da governança passa por colmatar situações de insegurança alimentar e nutricional nos grupos mais vulneráveis e evitar sobreposição de medidas/intervenções ao nível dos instrumentos de política que, a nível das várias áreas governativas, intervêm na temática da alimentação.

Como intervenção para o cumprimento do objetivo global da governança é criado um grupo de trabalho para a monitorização da ENSANP, numa base semestral.

6.2.2 – Eixo 2 – Grupos vulneráveis, saúde e nutrição

Para este eixo concorrem diretamente a PAC, a ENM, a F2F, a Agenda da Inovação para a Agricultura 2030, o PNPAS, a EIPAS, a Oferta Alimentar em Meio Escolar (OAME), a ENEC, a Estratégia para os Plásticos, o PO APMC, a Dieta Mediterrânica e o Km0. Neste sentido, devem ser aferidas as medidas daquelas estratégias que concorrem para a melhoria das condições de saúde e nutrição das populações em Portugal, tendo em particular atenção as populações mais vulneráveis e as questões de privação alimentar que lhes estão associadas.

Estando as medidas a ser implementadas, importa dentro destas encontrar os indicadores relevantes e pertinentes para avaliar a saúde e a nutrição dos portugueses, em particular dos grupos mais vulneráveis.

(ver documento original)

6.2.3 – Eixo 3 – Bom funcionamento da cadeia alimentar

Para este eixo concorrem diretamente a PAC, a ENM, a PARCA, a ENCDA, o PAEC e o Km0.

Neste sentido, devem ser aferidas as medidas ou iniciativas daquelas estratégias que concorrem para a melhoria do funcionamento da cadeia agroalimentar em Portugal, incluindo a promoção de cadeias curtas de abastecimento.

(ver documento original)

6.2.4 – Eixo 4 – Comunicação

Para este eixo concorrem diretamente todas as áreas governativas e todos os parceiros envolvidos no CONSANP.

O estabelecimento de uma estratégia de comunicação adequada é fundamental para responder aos desafios crescentes da segurança alimentar e nutricional, assegurando uma boa colaboração em todos os elos do modelo de governança da ENSANP.

É importante que a comunicação dos resultados de monitorização da ENSANP seja devidamente percecionada e valorizada pelo consumidor, seu destinatário final. A fim de melhorar a eficácia da ENSANP os seus resultados devem ser transmitidos de forma clara e objetiva, independentemente do recurso a vários tipos de comunicação.

7 – Medidas

Apresentam-se de seguida sete medidas para concretizar a ENSANP, nos três eixos estratégicos estabelecidos: (1) integração das políticas e governança; (2) grupos vulneráveis, saúde e nutrição (23); (3) bom funcionamento da cadeia alimentar.

A sexta medida, de natureza transversal, é criada com a intenção de comunicar a estratégia ao consumidor final e ao público em geral, informando sobre a sua implementação e os seus resultados.

(ver documento original)

8 – Governança

O modelo de governança da segurança alimentar e nutricional adota uma abordagem intersetorial no quadro das políticas de segurança alimentar e nutricional e reconhece a necessidade de consultar diversos setores governamentais e da sociedade civil, para a concretização da ENSANP.

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(1) Em que a aquacultura tenha espaço próprio para o ciclo total até ao consumidor ou reprodução e pré-engorda para outros sistemas como tanques de terra ou offshore.

(2) FAO & WHO (2018). CODEX – Protecting Health, Facilitating Trade, disponível em

http://www.fao.org/3/CA0162EN/ca0162en.pdf.

(3) Os agricultores familiares e os pequenos produtores a nível mundial produzem cerca 80 % da alimentação mundial, muitos deles sofrem com a fome e dependem das possibilidades de importação e exportação para garantir as suas necessidades de segurança alimentar e para sair da pobreza, pelo que importa que as políticas e regras à escala global evitem distorções do comércio que os prejudiquem.

(4) O ODM relativo à redução da fome foi atingido por mais de metade dos países monitorizados pela FAO. Contudo, aproximadamente 800 milhões de pessoas continuam a sofrer de subnutrição crónica.

(5) A agricultura, no âmbito do ODS2, contribui de forma indireta, ainda que diferenciada, para a concretização de diversos ODS, a saber: ODS1 – Erradicar a Pobreza, ODS3 – Saúde de Qualidade, ODS4 – Educação de Qualidade, ODS5 – Igualdade de Género, ODS 7 – Energias renováveis e acessíveis, ODS8 – Trabalho Digno e Emprego Sustentável, ODS12 – Produção e Consumos Sustentáveis (nomeadamente ODS12.3 – “Até 2030, reduzir para metade o desperdício de alimentos per capita a nível mundial, de retalho e do consumidor, e reduzir os desperdícios de alimentos ao longo das cadeias de produção e abastecimento, incluindo os que ocorrem pós-colheita”), ODS13 – Alterações Climáticas, ODS14 – Proteger a vida Marinha, ODS15-Proteção da Via Terrestre e ODS17 – Parcerias para a implementação do Objetivos.

(6) Destacando-se a importância da aquacultura, principalmente a marinha.

(7) Disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32002R0178&from=PT.

(8) http://ec.europa.eu/food/audits-analysis/country_profiles/details.cfm?co_id=PT.

(9) Um risco emergente para a saúde humana, animal e/ou vegetal é entendido como um “risco resultante de um perigo recém-identificado ao qual possa ocorrer uma exposição significativa ou de um risco inesperado novo ou aumentado de exposição e/ou suscetibilidade a um perigo conhecido” (EFSA 2007).

(10) http://185.32.37.73/contents/ficheiros/paec-pt.pdf.

(11) Este capítulo é baseado em resumo extrato do PAEC da UE – (COM 2020) 98 final

(12) Resolução do Conselho de Ministros n.º 86/2020, de 13 de outubro

(13) http://ec.europa.eu/environment/eussd/pdf/bio_foodwaste_report.pdf

(14) https://www.alimentacaosaudavel.dgs.pt/activeapp/wp-content/files_mf/1507564169PNPAS_DGS2017.pdf.

(15) https://eipas.pt/

(16) http://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Esaude/referencial_educacao_saude_original_4julho2017_horizontal.pdf

(17) Iniciativa conjunta dos Ministérios da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, da Saúde e da Educação (Portaria n.º 113/2018, de 30 de abril). Visa promover o consumo de frutas, de legumes, de bananas, de leite e produtos lácteos pelas crianças da educação pré-escolar e aos alunos do 1.º CEB, nos estabelecimentos de ensino e formação, bem como desenvolver medidas educativas de acompanhamento que promovam o consumo dos referidos produtos pelos alunos abrangidos.

(18) https://www.dge.mec.pt/estrategia-nacional-de-educacao-para-cidadania.

(19) http://poapmc.portugal2020.pt/

(20) http://www.dietamediterranica.net/.

(21) http://www.gpp.pt/index.php/parca/parca

(22) http://www.km0alentejo.pt/

(23) A ASAE dispõe a este nível de informação relevante e preponderante relativamente ao estado da cadeia alimentar do ponto de vista da segurança, pois é o PNCA a ferramenta mais precisa e abrangente e que melhor descreve os géneros alimentícios colocados no mercado, nomeadamente ao nível quer da segurança, quer da proteção dos consumidores. O histórico de resultados do PNCA fornece dados de ocorrência importantíssimos sobre a generalidade dos géneros alimentícios que estão disponíveis para consumo a nível nacional, permitindo a identificação não só dos géneros alimentícios mais problemáticos, mas também dos perigos a que estão associados e da sua distribuição geográfica.»

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