USF: despacho que determina a carteira básica de serviços e os princípios da carteira adicional de serviços

Despacho n.º 12456-B/2023 – Diário da República n.º 234/2023, 1º Suplemento, Série II de 2023-12-05
Saúde – Gabinete do Ministro
Determina a carteira básica de serviços e os princípios da carteira adicional de serviços das unidades de saúde familiar


«Despacho n.º 12456-B/2023

O Decreto-Lei n.º 103/2023, de 7 de novembro, que aprova, no seu anexo, o regime jurídico da organização e do funcionamento das unidades de saúde familiar (USF), assim como o regime remuneratório e de incentivos a atribuir aos profissionais que integram as USF modelo B, estabelece no n.º 3 do artigo 6.º, que a carteira básica de serviços e os princípios da carteira adicional de serviços das USF são fixados por despacho do membro do Governo responsável pela área da saúde, sob proposta da Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde, I. P. (DE-SNS, I. P.).

A carteira básica de serviços, enquanto compromisso assistencial nuclear, é aplicável a todas as USF, independentemente do modelo organizacional em que estão constituídas.

Sem prejuízo do que antecede, considerando que o processo de generalização das USF modelo B e a transição, para este regime, das USF modelo A, ocorre em 2024, importa que a DE-SNS, I. P., com o apoio da Administração Central do Sistema do Saúde, I. P., e da Direção-Geral da Saúde, acompanhem e avaliem este processo, no sentido de ponderar eventuais alterações que, neste âmbito, devam ser promovidas.

Assim:

Ao abrigo do n.º 14 do artigo 3.º e do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 32/2022, de 9 de maio, que aprova o regime da organização e funcionamento do XXIII Governo Constitucional, na sua redação atual, bem como do n.º 3 do artigo 6.º do regime jurídico da organização e do funcionamento das USF, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 103/2023, de 7 de novembro, determino:

1 – São aprovados a carteira básica de serviços e os princípios da carteira adicional de serviços das unidades de saúde familiares constantes, respetivamente, dos anexos i e ii ao presente despacho do qual fazem parte integrante.

2 – O presente despacho entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação e produz efeitos a partir de 1 de janeiro de 2024.

4 de dezembro de 2023. – O Ministro da Saúde, Manuel Francisco Pizarro de Sampaio e Castro.

ANEXO I

Carteira básica de serviços

As unidades de saúde familiar (USF), conforme dispõe o n.º 3 do artigo 38.º do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 52/2022, de 4 de agosto, bem como os n.os 1 e 5 do artigo 3.º do regime jurídico da organização e do funcionamento das unidades de saúde familiar, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 103/2023, de 7 de novembro, doravante designado de «Regime», são unidades elementares de prestação de cuidados de saúde, individuais e familiares, compostas por equipas multiprofissionais, voluntariamente constituídas por médicos, enfermeiros e assistentes técnicos, integrando-se numa lógica de rede com outras unidades funcionais da Unidade Local de Saúde (ULS), desenvolvendo a sua atividade com base na contratualização de objetivos e garantindo aos cidadãos nelas inscritos uma carteira básica de serviços.

Neste enquadramento, as USF representam um modelo de organização associado a maior motivação dos profissionais, satisfação dos utentes, propiciando ganhos em saúde.

A carteira básica de serviços é aplicável a todas as USF do SNS, independentemente do seu modelo e dos diversos enquadramentos jurídico-institucionais que a cada uma delas possam ser atribuídos, e constitui a base do compromisso assistencial nuclear, sendo igual em tipo e qualidade, variando apenas os aspetos quantitativos de número de cidadãos abrangidos, horários disponibilizados e serviços adicionais ou complementares, intitulados carteira adicional de serviços, contratualizados com a ULS, em sede de candidatura ou nas épocas para tal definidas e revistos anualmente.

I – Carteira básica de serviços para USF

O compromisso assistencial explicita o que deve ser obrigatoriamente contratualizado como fundamental em termos de cuidados de medicina geral e familiar e de enfermagem: núcleo base de serviços clínicos, secretariado clínico/administrativo, funcionamento, dimensão da lista de utentes e formação contínua.

A – Núcleo base de serviços clínicos (desenvolvido no n.º ii do presente anexo):

1 – Vigilância, promoção da saúde e prevenção da doença nas diversas fases de vida:

1.1 – Geral;

1.2 – Saúde da mulher;

1.3 – Saúde do recém-nascido, da criança e do adolescente;

1.4 – Saúde do adulto e do idoso;

2 – Cuidados em situação de doença aguda;

3 – Acompanhamento clínico das situações de doença crónica e patologia múltipla;

4 – Cuidados no domicílio;

5 – Interligação e colaboração em rede com outros serviços, sectores e níveis de diferenciação, numa perspetiva de «gestor de saúde» do cidadão.

B – Secretariado clínico/administrativo. O secretariado clínico/administrativo é o rosto da USF no relacionamento com o cidadão, pelo que há a considerar:

1 – Atendimento e encaminhamento do cidadão:

1.1 – Programação e marcação de consultas – consultas programadas; consultas sem programação por iniciativa do utente;

1.2 – Monitorização do tempo de espera e desistências.

2 – Gestão da comunicação:

2.1 – Difusão atualizada do funcionamento dos serviços;

2.2 – Informação a pedido.

3 – Gestão de procedimentos administrativos:

3.1 – Participação na gestão dos processos clínicos;

3.2 – Participação nos procedimentos referentes à prescrição crónica;

3.3 – Registo e acompanhamento relativos à referenciação;

3.4 – Gestão dos dados administrativos do cidadão;

3.5 – Gestão das áreas de apoio administrativo;

3.6 – Participação na gestão do sistema de informação;

3.7 – Participação na receção e na resposta a queixas, reclamações e sugestões dos cidadãos.

C – Horário de funcionamento. A USF garante o seu funcionamento, nos dias úteis, entre as 8 e as 20 horas. De acordo com as características geodemográficas da área assistida pela USF, a dimensão da lista de utentes e o número de elementos que integram a equipa multiprofissional, o horário de funcionamento pode ser objeto de redução ou alargamento, conforme o estipulado nos n.os 4 e 5 do artigo 10.º do Regime.

D – Dimensão da lista de utentes. A dimensão da lista de utentes da carteira básica de serviços deve ter, no mínimo, 1917 unidades ponderadas por médico de uma lista padrão nacional, nominalmente designada por lista, conforme o estipulado no n.º 2 do artigo 9.º do Regime.

E – Formação contínua. A USF deve ser um espaço de formação e inovação. O desenvolvimento profissional contínuo dos seus elementos é um requisito indispensável para o seu sucesso e para a manutenção e melhoria da qualidade dos serviços prestados.

1 – A formação contínua deve ser prevista, para todos os profissionais, concertada em planos individuais anuais e coletivos, tendo em conta as necessidades pessoais e os interesses da USF.

2 – Semanalmente, a USF deve disponibilizar tempo para exame de processos/procedimentos de trabalho diário, e da maneira como podem ser melhorados, incluindo a discussão de casos clínicos e a abordagem de problemas da prática clínica pelos próprios elementos da USF.

II – Núcleo base de serviços clínicos

Carteira básica de serviços de saúde por área e subárea de intervenção e atividade/cuidado prestado pela equipa multiprofissional da USF (médicos e enfermeiros)

Número Área e subárea de intervenção Atividade/cuidado prestado
1 Vigilância, promoção da saúde e prevenção da doença nas diversas fases da vida. 1.1 – Geral:
a) Identificação das necessidades de saúde quer individuais, quer familiares nas situações selecionadas consoante as prioridades e critérios adequados à prossecução dos objetivos do plano da USF e do Plano Nacional de Saúde 2030 (PNS);
b) Intervenção personalizada de informação e de educação para a saúde nomeadamente, as áreas relacionadas com a promoção e proteção da saúde nas diversas fases da vida;
c) Assegurar o cumprimento do Plano Nacional de Vacinação.
Vigilância de acordo com as circulares normativas da Direção-Geral da Saúde (DGS) e orientações estratégicas do PNS. 1.2 – Saúde da mulher:
1.2.1 – Planeamento familiar:
a) Promoção do planeamento familiar em corresponsabilização e fornecimento gratuito de métodos anticoncecionais;
b) Introdução de DIU quando essa for a opção da mulher;
c) Prevenção e tratamento de infeções transmissíveis sexualmente;
d) Rastreio de tipo oportunístico dos cancros do colo do útero e da mama;
e) Identificação e encaminhamento de situações de violência.
1.2.2 – Cuidados pré-concecionais:
a) Avaliação inicial e aconselhamento geral pré-concecional a pedido dos casais, ou oferecidos de forma proativa pela equipa;
b) Referenciação a cuidados pré-concecionais especializados, quando indicado, e acompanhamento da situação, em continuidade e articulação de cuidados.
1.2.3 – Vigilância da gravidez:
a) Vigilância pré-natal da gravidez normal;
b) Promoção do diagnóstico pré-natal, com referência a unidades especializadas, segundo as normas em vigor;
c) Referenciação de gravidez de risco e acompanhamento da situação, em continuidade e articulação de cuidados;
d) Promoção de comportamentos (saudáveis) de adesão durante a gravidez, nomeadamente quanto ao consumo de tabaco, álcool e alimentação;
e) Adaptação do casal ao novo estádio de vida familiar e implementação das mudanças necessárias ao ciclo vital;
f) Apoio às puérperas após a alta hospitalar, cuidados que promovam a sua adaptação aos novos estádios de vida individual e familiar e promovam o aleitamento materno pelo menos até aos 3 meses de vida;
g) Revisão do puerpério.
Garantir consultas de saúde infantil e juvenil segundo as orientações técnicas da DGS. 1.3 – Saúde do recém-nascido (RN), da criança e do adolescente:
a) Oferta pró-ativa da primeira consulta do RN, na sequência de receção de notícia de nascimento;
b) Cuidados de saúde integrados, de forma a garantir a vigilância de saúde da criança nos dois primeiros anos de vida, na idade pré-escolar (2-6 anos) e escolar (6-10 anos);
c) Exame global de saúde à criança de 5-6 anos e 11-13 anos;
d) Cuidados de saúde integrados, de forma a garantir a vigilância aos adolescentes e jovens (11-19 anos), promovendo o atendimento sem barreiras e oferecendo «exames de saúde oportunistas»;
e) Promoção do papel parental e paternidade eficaz;
f) Referenciação a cuidados especializados e acompanhamento paralelo da situação em continuidade de cuidados;
g) Identificação, encaminhamento e acompanhamento de crianças vítimas de negligência, maus-tratos e abusos sexuais;
h) Identificar e promover o acompanhamento das crianças com problemas de desenvolvimento, de aprendizagem e jovens com problemas de aprendizagem e risco de abandono escolar.
Vigilância de acordo com as normas da DGS 1.4 – Saúde do adulto e do idoso:
a) Cuidados promotores de saúde e preventivos da doença, aos adultos (20-69 anos), selecionando as intervenções comprovadamente custo-efetivas em cada fase da vida e evitando os check-up genéricos e inespecíficos;
b) Cuidados preventivos aos adultos mais idosos (com 70 e mais anos) organizando estes cuidados de acordo com uma identificação estruturada das necessidades específicas de cada pessoa e da família orientada para atuar sobre os determinantes de autonomia e independência;
c) Cuidados que promovam o bem-estar e a autonomia da pessoa adulta e idosa, dirigidos prioritariamente aos grupos vulneráveis, aos grupos de risco e aos grupos com necessidades especiais;
d) Abordagem de todas as situações pessoais tendo em conta avaliações do seu estado global de saúde e os contextos familiares, socioculturais e socio-ocupacionais.
2 Cuidados em situação de doença aguda … a) Atendimento e resposta no próprio dia (que se poderá traduzir ou não em consulta) e com a máxima celeridade possível para todas as situações de doença aguda ou de sofrimento, na USF, ou no domicílio do doente, quando justificado.
b) Reconhecimento, sinalização e intervenção apropriada, orientando as situações urgentes ou emergentes que necessitem de cuidados e suporte tecnológico hospitalares.
c) Apoio ao doente, família e cuidador, no sentido da estabilização da situação e da adesão ao plano terapêutico.
d) Execução dos planos terapêuticos, nomeadamente pela administração de medicamentos, realização de tratamentos, educação e apoio na reabilitação.
e) Educação do doente, família e cuidador para a recuperação e a promoção da saúde.
3 Acompanhamento clínico das situações de doença crónica (ex. diabetes mellitus, doença pulmonar obstrutiva crónica, hipertensão arterial, entre outras) e patologia múltipla. a) Vigilância, aconselhamento e educação do doente, familiares e outros cuidadores em situações de doença crónica em que são necessários cuidados por período longo de tempo:
Promoção da aceitação do estado de saúde;
Promoção da autovigilância;
Promoção da gestão e adesão ao regime terapêutico;
Promoção do autocuidado nas atividades de vida diárias;
Apoio ao desenvolvimento de competências de autocontrolo de doenças crónicas por parte dos doentes e seus cuidadores (familiares ou outros).
b) Abordagem sistémica e planeamento de cuidados, periodicamente revistos, em todas as situações de patologia múltipla, com avaliação regular dos riscos de polimedicação.
c) Referenciação com relatório-síntese atualizado e mobilização de cuidados especializados, sempre que necessário, com acompanhamento simultâneo da situação e receção de retorno, em continuidade de cuidados.
4 Cuidados no domicílio (entendendo-se por domicílio, para efeitos da presente portaria, a habitação permanente do utente). O domicílio deverá estar na área geográfica de influência da USF. a) Consultas programadas para fins de promoção de saúde em situações de especial recetividade às mensagens de saúde, em colaboração com os recursos de cuidados na comunidade do centro de saúde da área.
b) Consultas programadas aos doentes com dependência física e funcional que necessitem cuidados médicos e de enfermagem e não possam deslocar-se à USF, em colaboração com os recursos de cuidados na comunidade do centro de saúde da área.
c) Consultas não programadas, por critérios médicos a pedido dos doentes ou seus familiares, em situações que incapacitem a deslocação do doente à USF, nomeadamente quando existe dependência física e funcional do doente.
5 Interligação e colaboração em rede com outros serviços, setores e níveis de diferenciação, numa perspetiva de «gestor de saúde» do cidadão. a) Interligação com os cuidados hospitalares, nomeadamente na referenciação, antes, durante o internamento ou após a alta hospitalar de doentes da lista de inscritos da USF garantindo a melhor continuidade de cuidados possível e evitando falhas por deficiente comunicação entre serviços.
b) Comunicação aos serviços apropriados do centro de saúde da informação referente à atividade assistencial da USF ou outra indispensável ao planeamento e administração da saúde da comunidade.
c) Comunicação e colaboração com os serviços de saúde pública e autoridade de saúde, tanto nos casos de doenças de declaração obrigatória, como em todos os casos em que a informação detida pelos profissionais da USF seja relevante para a proteção da saúde pública.
d) Certificação de estados de saúde e de doença que surgirem como sequência dos atos médicos praticados e emissão de declarações específicas pedidas pelos utentes, desde que inseridas no estrito cumprimento da resposta ao direito à saúde dos cidadãos.

ANEXO II

Princípios da carteira adicional de serviços

III – Princípios que devem ser observados na carteira adicional de serviços

A – Desde que não seja colocado em causa o compromisso assistencial da carteira básica as USF podem, através da contratualização de uma carteira adicional de serviços, colaborar com outras unidades funcionais da ULS responsáveis pela intervenção:

1) Em grupos da comunidade, no âmbito da saúde escolar, da saúde oral e da saúde ocupacional;

2) Em projetos dirigidos a cidadãos em risco de exclusão social;

3) Nos cuidados continuados integrados;

4) No atendimento a adolescentes e jovens;

5) Na prestação de outros cuidados que se mostrem pertinentes e previstos no Plano Nacional de Saúde.

B – Podem ainda ser contratualizadas, como carteira adicional de serviços, a resposta a utentes sem médico de família atribuído e a utentes esporádicos, assim como respostas de telessaúde dirigidas a grupos populacionais específicos.

C – A atividade proposta deve ser dirigida aos cidadãos – indivíduos, famílias ou comunidade – abrangidos pela USF ou pelo centro de saúde e em sintonia com o Plano Local de Saúde.

D – Os serviços da carteira adicional, devem ser descritos e fundamentados no processo de candidatura, ou em fase posterior, em épocas a definir para o efeito, e incluir:

i) Fundamentação;

ii) Objetivos e metas e período de execução;

iii) População alvo;

iv) Atividades e carga horária mensal por grupo profissional;

v) Caracterização dos profissionais envolvidos, explicitando a formação específica para a atividade;

vi) Indicação se os serviços propostos são, ou não, uma atividade em desenvolvimento no centro de saúde;

vii) Proposta de compensação financeira global da equipa e a respetiva distribuição pelos profissionais envolvidos.

E – A carteira adicional de serviços é objeto de apreciação no processo de avaliação da candidatura. Após aprovação, os termos da sua implementação são negociados entre a respetiva ULS e o coordenador da USF, em sede de contratualização, considerando os seguintes princípios:

1) Existência de um indicador de desempenho, que permita aferir a carga horária afeta com a produção estimada;

2) Possibilidade de contratualização de atividades por períodos inferiores a um ano;

3) Possibilidade de renegociação de atividades com base nos dados de acompanhamento.

F – As USF podem propor atividades para desenvolver em carteira adicional de serviços, até 30 dias antes do final de cada trimestre. A sua apreciação decorre nos 30 dias seguintes e, se aceite, inicia-se no trimestre imediato.

G – A ULS, de acordo com a estratégia local de saúde, pode convidar, a todo o tempo, as USF a apresentarem propostas de atividades a desenvolver em carteira adicional de serviços.

IV – Especificações técnicas das definições assistenciais

Deve ser dado cumprimento ao regime legal de cada carreira, nomeadamente o conteúdo do perfil profissional e o exercício das correspondentes funções, nos termos da legislação em vigor.

A execução de atividades nas diversas áreas de intervenção deve respeitar os critérios definidos pela Direção-Geral de Saúde, além dos códigos deontológicos das respetivas profissões.

As modalidades de horários que forem adotadas devem estar de acordo com o regime e horário da respetiva carreira e as disposições legais em vigor, tanto para o trabalho normal como para o trabalho suplementar.»