Regime jurídico da avaliação de impacto de género de atos normativos


«Lei n.º 4/2018

de 9 de fevereiro

Regime jurídico da avaliação de impacto de género de atos normativos

A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte:

CAPÍTULO I

Disposições gerais

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei estabelece o regime jurídico aplicável à avaliação de impacto de género de atos normativos.

Artigo 2.º

Âmbito da avaliação de impacto de género

1 – São objeto de avaliação prévia de impacto de género os projetos de atos normativos elaborados pela administração central e regional, bem como os projetos e propostas de lei submetidos à Assembleia da República.

2 – Pode haver avaliação sucessiva de impacto de género nos termos previstos na presente lei.

CAPÍTULO II

Avaliação prévia de impacto

Artigo 3.º

Objeto da avaliação prévia de impacto de género

A avaliação prévia de impacto de género tem por objeto a identificação e ponderação na elaboração dos projetos de atos normativos, entre outros, dos seguintes aspetos:

a) A situação e os papéis de homens e mulheres no contexto sobre o qual se vai intervir normativamente;

b) A existência de diferenças relevantes entre homens e mulheres no que concerne o acesso a direitos;

c) A existência de limitações distintas entre homens e mulheres para participar e obter benefícios decorrentes da iniciativa que se vai desenvolver;

d) A incidência do projeto de ato normativo nas realidades individuais de homens e mulheres, nomeadamente quanto à sua consistência com uma relação mais equitativa entre ambos ou à diminuição dos estereótipos de género que levam à manutenção de papéis sociais tradicionais negativos;

e) A consideração de metas de igualdade e equilíbrio entre os sexos definidas em compromissos assumidos internacionalmente pelo Estado Português ou no quadro da União Europeia.

Artigo 4.º

Linguagem não discriminatória

A avaliação de impacto de género deve igualmente analisar a utilização de linguagem não discriminatória na redação de normas através da neutralização ou minimização da especificação do género, do emprego de formas inclusivas ou neutras, designadamente por via do recurso a genéricos verdadeiros ou à utilização de pronomes invariáveis.

Artigo 5.º

Dispensa de avaliação prévia

1 – A avaliação prévia de impacto de género pode ser dispensada pela entidade responsável pela elaboração dos projetos de atos normativos em casos de urgência ou de caráter meramente repetitivo e não inovador do ato, expressamente fundamentados.

2 – Nos casos de dispensa por urgência, deve ser promovida a realização de avaliação sucessiva de impacto.

Artigo 6.º

Participação

Quando o procedimento de aprovação do ato normativo envolver uma fase de participação, nomeadamente através da realização de discussão pública, os resultados da avaliação prévia de impacto de género devem ser disponibilizados às pessoas interessadas para que estas se possam pronunciar.

Artigo 7.º

Elementos da avaliação prévia

A avaliação prévia de impacto de género deve incidir, nos termos previstos nos artigos seguintes, sobre:

a) A situação de partida sobre a qual a iniciativa vai incidir;

b) A previsão dos resultados a alcançar;

c) A valoração do impacto de género;

d) A formulação de propostas de melhoria dos projetos, quando se revele adequado.

Artigo 8.º

Situação de partida

A situação de partida deve assegurar a elaboração de um diagnóstico da situação inicial sobre a qual vai incidir a iniciativa em preparação, com recurso a informação estatística disponível e informação qualitativa sobre os papéis e estereótipos de género, considerando ainda os objetivos das políticas de igualdade de oportunidades.

Artigo 9.º

Previsão dos resultados

A previsão dos resultados a alcançar deve permitir elaborar uma prognose sobre o impacto da norma ou medidas na situação de partida, identificando, entre outros:

a) Os resultados diretos da aplicação da norma;

b) A incidência sobre a melhoria da situação de homens e mulheres, nomeadamente no que se refere aos papéis e estereótipos de género;

c) O contributo para os objetivos das políticas de igualdade.

Artigo 10.º

Valoração do impacto de género

A valoração do impacto de género visa assegurar a quantificação ou qualificação dos efeitos da norma no que respeita à igualdade entre homens e mulheres e ao cumprimento dos objetivos das políticas para a igualdade, identificando os resultados nos seguintes termos:

a) Impactos negativos quando a aplicação das normas ou a implementação das medidas previstas reforçam as desigualdades de género;

b) Impactos neutros quando o género não é relevante para o desenvolvimento e aplicação das normas ou por estas não é afetado;

c) Impactos positivos quando:

i) A perspetiva da igualdade de género está presente no desenvolvimento e aplicação das normas, verificando-se um impacto sensível de género;

ii) A perspetiva da igualdade de género é um dos elementos fundamentais das normas, verificando-se um impacto positivo de género;

iii) A perspetiva da igualdade de género é o eixo central das normas, que têm como finalidade a promoção da igualdade entre homens e mulheres, verificando-se um impacto transformador de género.

Artigo 11.º

Propostas de melhoria

Quando necessário face à avaliação dos resultados prováveis das medidas, devem ser formuladas propostas de melhoria ou recomendações, quanto à redação do projeto ou quanto às medidas tendentes à sua execução, nomeadamente através de:

a) Medidas adicionais, para melhorar o impacto de género;

b) Modificação de medidas existentes;

c) Alterações à linguagem e aos conceitos utilizados, minimizando a perpetuação de conceitos ou estereótipos negativos;

d) Medidas complementares ou dirigidas a outros departamentos com relevo na implementação das medidas;

e) Sugestões quanto ao acompanhamento da execução.

Artigo 12.º

Relatório síntese

Os elementos da avaliação referidos no artigo 7.º, bem como as propostas de melhoria ou recomendações, caso existam, devem constar de relatório síntese, assinado pela pessoa responsável pela sua elaboração, que acompanha em anexo os projetos de ato normativo nas fases subsequentes da tramitação do respetivo procedimento.

CAPÍTULO III

Avaliação sucessiva de impacto

Artigo 13.º

Avaliação sucessiva de impacto de género

1 – Para além dos casos de avaliação sucessiva previstos no artigo 5.º, pode ainda, a qualquer momento, ter lugar a avaliação sucessiva de impacto de género, sob proposta da pessoa responsável pela avaliação prévia ou do órgão responsável pela aprovação do ato normativo.

2 – Para decisão sobre a avaliação sucessiva referida no número anterior devem ser ponderadas, nomeadamente, as seguintes circunstâncias que podem afetar o impacto de género:

a) A importância económica, financeira e social da matéria;

b) O grau de inovação introduzido pelo ato normativo, plano ou programa à data da sua entrada em vigor;

c) A existência de dificuldades administrativas, jurídicas ou financeiras na aplicação ou implementação do ato normativo, plano ou programa;

d) O grau de aptidão do ato normativo para garantir com clareza os fins que presidiram à sua aprovação.

3 – A avaliação sucessiva pode incidir sobre a totalidade do ato ou apenas sobre algumas das suas disposições.

4 – Para efeitos do disposto nos números anteriores, as modalidades de avaliação sucessiva podem recorrer à colaboração de organismos públicos, estabelecimentos de ensino superior ou organizações da sociedade civil.

Artigo 14.º

Elementos da avaliação sucessiva

1 – A avaliação sucessiva de impacto de género deve incidir sobre:

a) O impacto efetivo das medidas na situação de partida identificada;

b) O cumprimento das metas e resultados pretendidos;

c) A valoração do impacto de género efetivamente registado;

d) A formulação de propostas de alteração tendentes à realização dos objetivos inicialmente traçados, quando se revele adequado.

2 – Aplicam-se à avaliação sucessiva, com as necessárias adaptações, as disposições da presente lei relativas à avaliação prévia de impacto.

CAPÍTULO IV

Disposições transitórias e finais

Artigo 15.º

Adaptação das regras procedimentais

1 – As entidades abrangidas pela presente lei devem adaptar as normas que regulam o procedimento de aprovação de atos normativos, quando existam, ao disposto na presente lei.

2 – As entidades abrangidas pela presente lei devem ainda assegurar a elaboração de linhas de orientação sobre avaliação de impacto de género e a sua disponibilização às pessoas responsáveis pelo seu acompanhamento.

Artigo 16.º

Formação

As entidades abrangidas pela presente lei devem promover a realização de ações de formação sobre avaliação de impacto de género, nomeadamente através de parcerias com os serviços da administração central responsáveis pela formação, com a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género ou com instituições de ensino superior.

Artigo 17.º

Disposição transitória

A presente lei não se aplica aos procedimentos em curso à data da sua entrada em vigor.

Artigo 18.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no primeiro dia do segundo mês seguinte à sua publicação.

Aprovada em 21 de dezembro de 2017.

O Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues.

Promulgada em 26 de janeiro de 2018.

Publique-se.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

Referendada em 5 de fevereiro de 2018.

O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa.»