Proposta de Regulamento dos Tempos Padrão das Consultas Médicas – Ordem dos Médicos


«Regulamento n.º 297/2019

Consulta pública prévia

Proposta de regulamento dos tempos padrão das consultas médicas

A relação médico-doente desempenhou, desde sempre, um papel central na história da Medicina e é um dos conceitos que tem merecido maior reflexão ao longo dos tempos. De uma perspetiva inicialmente paternalista, evoluiu para uma visão mais participativa e incentivadora da autonomia do cidadão enquanto elemento central para o sucesso das decisões diagnósticas e terapêuticas adotadas.

Esta evolução traduziu-se numa relação mais humanizada e focada na importância da dimensão social da vida humana, com respaldo em documentos estruturantes como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que completou 70 anos em 2018, ou na Carta dos Direitos do Doente, datada de 1973 e publicada pela Associação Americana de Hospitais.

Hoje, temos enormes desafios pela frente e a legitimidade e as obrigações ético-deontológicas que estão na base da nossa profissão são permanentemente ameaçadas pelo poder político e económico. O papel humanista do médico corre o risco de ser transformado num instrumento utilitário, com impacto irreversível na dignidade das pessoas e na sua integridade ética, profissional e pessoal.

A evolução dos sistemas de saúde, públicos, sociais ou privados, com consequências na forma massificada como são difundidos os cuidados de saúde, traz vários riscos para esta relação e obriga a que, em plena era tecnológica, seja reinventada a forma como médico e doente continuam a ser os principais protagonistas em ambiente de consulta.

Estas alterações merecem, da parte dos médicos, um exercício ainda mais desafiante da responsabilidade que a nossa profissão encerra. No plano individual e coletivo temos de saber enfrentar os desafios do presente e do futuro, sempre com audácia, firmeza e conhecimento.

Tal como está inscrito no plano de atividades do Bastonário e do Conselho Nacional da Ordem dos Médicos para o triénio 2017/2019, é indispensável centrar a atividade médica no doente e na exigência de qualidade da Medicina. E defender o património da relação médico-doente sustentada num primado humanista, nas boas práticas e nos valores éticos e deontológicos da profissão médica. Não é aceitável exercer Medicina de acordo com imposições externas e hostis a estes princípios. Os médicos devem ser os primeiros advogados dos doentes e seus genuínos provedores.

Humanizar os cuidados de saúde é também uma obrigação de todos, que começa na adoção de comportamentos que salvaguardem a educação e a ética universal. É preciso tempo para nutrir e reforçar esta relação, sendo absolutamente necessária a definição e aplicação de um conjunto de regras que permitam enquadrar, garantir e preservar uma duração adequada para a interação entre o médico e o doente, evitando os múltiplos artifícios perturbadores que diariamente a enfraquecem. Adquire especial relevo, neste sentido, a pressão burocrática, tecnológica e administrativa cada vez mais presente no sector da saúde.

A proteção do ambiente e das condições em que se desenvolve a atividade médica – seja no setor público, privado ou social – é o primeiro passo necessário e urgente para uma valorização profissional que tem ficado comprometida com a manipulação, deturpação e generalização abusiva de alguns incidentes críticos, muitas vezes de causa organizacional, levando à desqualificação e exposição pública negativa, a que os médicos têm sido submetidos nos últimos anos.

Não será certamente um acaso que muitas das atuais queixas relacionadas com os serviços de saúde refiram de forma crescente a falta de tempo no atendimento ou os atrasos nas consultas, marcadas com intervalos acríticos e impraticáveis quando se pretende extrair efetivo valor daquele momento.

Paralelamente, as exigências impostas pelas administrações, ao nível das remunerações, das condições de trabalho e do aumento da produção, com tempos reduzidos para a consulta e uma crescente sobreposição de tarefas, contribuíram para aumentar a síndrome de burnout entre os profissionais e diminuir a segurança clínica, com efeitos nefastos para médicos, doentes e para o sistema de saúde como um todo.

A evidência científica assegura que a relação médico-doente, cultivada e nutrida nas condições ideais, tem impacto direto e positivo na adesão à terapêutica, nos resultados obtidos, na redução do sofrimento e aumento do bem-estar, podendo mesmo reduzir a necessidade de recurso a procedimentos e meios complementares de diagnóstico e terapêutica mais ou menos invasivos.

É desta forma que a Ordem dos Médicos estabeleceu este compromisso para o mandato em curso, procurando determinar e defender a aplicação de tempos padrão para as consultas, de acordo com as recomendações técnicas dos Colégios das Especialidades e das Secções das Subespecialidades.

A organização do trabalho evoluiu significativamente durante os últimos anos. Já lá vai o tempo em que os doentes eram todos marcados à mesma hora e depois observados ao longo de uma manhã ou de uma tarde que parecia não ter fim. Hoje, na maioria das unidades de saúde cada doente ou utente tem a sua marcação. Os tempos padrão para a marcação de consultas constituirá, assim, uma referência de boas práticas para aquele ato médico em que se inicia a Medicina. Naturalmente que o tempo da relação médico-doente será sempre aquele que for necessário. Uns doentes necessitarão de mais tempo com o seu médico e outros de menos tempo. Mas a marcação dos doentes deverá respeitar um tempo padrão adequado, que proteja de forma clara os doentes e os médicos no exercício de uma medicina de qualidade e humanizada.

A fundamentação para definir os tempos de referência na marcação de consultas teve por base um conjunto variável de indicadores, de acordo com a especialidade em causa. Neles se incluíram, entre outros, os seguintes: a experiência nacional e internacional; o tipo de consulta (primeira ou subsequente); a complexidade da doença ou do doente (multimorbilidade e polimedicação); o tempo para a receção do doente; a avaliação biopsicossocial; a análise da história clínica; o exame físico; a explicação da situação clínica ao doente, das propostas de exames auxiliares de diagnóstico e das potenciais propostas terapêuticas; o tempo para esclarecer dúvidas que possam existir sobre a situação clínica da parte do médico ou da parte do doente; o tempo para explicar ao doente as opções terapêuticas, as respetivas eficácias e complicações, e obter o consentimento informado; a morosidade da utilização dos sistemas informáticos; a necessidade de realizar relatórios ou outros documentos; a presença de médicos internos em formação ou estudantes de medicina; a realização concomitante de procedimentos próprios da especialidade durante a consulta.

Os pressupostos enunciados neste documento e a pressão crescente exercida sobre os profissionais reforçam as necessidades inscritas nos anexos apresentados. Os valores enunciados constituem o ponto de partida para estabelecer as boas práticas nesta área, no sentido de proteger os doentes e salvaguardar a missão e a integridade física e mental dos médicos. Merecem, todavia, ser ajustados às necessidades identificadas em cada instituição, por cada médico e consoante as características do doente.

A definição destes tempos padrão permitirá perceber que cada especialidade encerra características específicas e diferenciadas, que merecem ser acomodadas no espaço temporal em que se desenvolve uma consulta médica. A sua aplicação concreta exige sentido de compromisso e responsabilidade, não só da parte dos profissionais, mas também por parte das organizações e administrações do sector da saúde em Portugal. É necessário que estas compreendam as vantagens destas recomendações para a melhoria da qualidade dos atos médicos praticados, da saúde dos doentes e da própria organização do sistema.

As fundamentações apresentadas pelos Colégios da Especialidade comprovam a diversidade técnica, científica e humana no exercício da Medicina.

A necessidade de proteger estes tempos de referência não oferece qualquer dúvida à Ordem dos Médicos. Não é possível aceitar como inevitável a sobrecarga que atualmente se verifica nas consultas, agendadas com diferenças de escassos minutos, quando não sobrepostas, prejudicando as boas práticas clínicas e a qualidade da assistência ao doente.

Nos termos da alínea j) do n.º 1 do artigo 58.º, conjugado com a alínea b) do artigo 49.º, ambos do Estatuto da Ordem dos Médicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 282/77, de 5 de julho, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 117/2015, de 31 de agosto, cabe ao Conselho Nacional elaborar os regulamentos de âmbito nacional e submetê-los à Assembleia de Representantes, que os discute e aprova.

Assim, em cumprimento do n.º 2 do artigo 9.º do Estatuto da Ordem dos Médicos e do artigo 101.º do Código do Procedimento Administrativo, a presente proposta de regulamento é submetido a consulta prévia, através da sua publicação no site nacional da Ordem e na 2.ª série do Diário da República, convidando-se os interessados a apresentar, no prazo de 30 dias a contar da presente publicação, quaisquer sugestões à proposta de regulamento que, deste modo, se torna pública:

Proposta de regulamento dos tempos padrão das consultas médicas

Artigo 1.º

Objeto

1 – O presente regulamento tem por objeto a fixação de tempos padrão das consultas médicas de especialidade e subespecialidade.

2 – Os tempos padrão das consultas são os que constam das tabelas dos Anexos I, II e III.

Artigo 2.º

Critérios de fixação e natureza dos tempos padrão

1 – Os tempos padrão para as consultas têm em consideração as características próprias de cada uma das disciplinas médicas reconhecidas, a autonomia e diferenciação dos seus profissionais, assim como a heterogeneidade dos serviços, unidades e hospitais em que as mesmas são colocadas em prática.

2 – Os tempos padrão constituem recomendações, sendo suscetíveis de adaptação à relação que os médicos estabelecem com os seus doentes, visando a sua defesa e enquadrando-a nos indicadores técnicos referidos no número anterior e acautelando uma melhor organização dos tempos de consulta.

3 – Os tempos padrão da consulta constituem uma referência ética e deontológica para todos os médicos, e uma garantia de qualidade e segurança para os doentes e para a comunidade em geral.

Artigo 3.º

Entrada em vigor

O presente regulamento entra em vigor no dia subsequente à sua publicação.

ANEXO I

Tempos padrão das consultas propostos pelos Colégios da Especialidade e de Competências e pelas Secções de Subespecialidade

(ver documento original)

ANEXO II

Tempos Padrão para consultas da especialidade de Medicina Geral e Familiar

(ver documento original)

ANEXO III

Tempos Padrão para exames periciais da especialidade de Medicina Legal

(ver documento original)

2019.02.20. – O Bastonário, Dr. Miguel Guimarães.»