Carta para a Participação Pública em Saúde


«Lei n.º 108/2019

de 9 de setembro

Sumário: Carta para a Participação Pública em Saúde.

Carta para a Participação Pública em Saúde

A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei aprova a Carta para a Participação Pública em Saúde e os termos a que deve obedecer a sua divulgação, implementação e avaliação.

Artigo 2.º

Aprovação

1 – É aprovada como anexo i da presente lei, da qual faz parte integrante, a Carta para a Participação Pública em Saúde.

2 – São ainda aprovados, como anexo II da presente lei, da qual faz parte integrante, os critérios de elegibilidade para a representação das pessoas com ou sem doença, para efeitos de implementação da Carta para a Participação Pública em Saúde referida no n.º 1.

Artigo 3.º

Divulgação

Os serviços e estabelecimentos de saúde do Serviço Nacional de Saúde e os demais serviços, organismos e entidades do ministério que tutela a área da saúde, assim como a Assembleia da República, divulgam a Carta para a Participação Pública em Saúde na respetiva página da Internet, quando esta exista, e disponibilizam-na em locais de fácil acesso e consulta pelas pessoas.

Artigo 4.º

Implementação

1 – O ministério que tutela a área da saúde, através da Direção-Geral da Saúde, inclui, no Plano Nacional de Saúde e nos programas de saúde prioritários, as prioridades e as medidas a implementar, assim como os recursos necessários, para promover e institucionalizar a participação pública em saúde.

2 – A Assembleia da República inclui, no plano de atividades da Comissão de Saúde para cada sessão legislativa, as prioridades e as medidas a implementar, assim como os recursos necessários, para promover e institucionalizar a participação pública em saúde.

Artigo 5.º

Avaliação

A avaliação do estado da participação pública em saúde em Portugal é feita por órgão independente, a definir pela Assembleia da República, com o envolvimento de representantes das pessoas com ou sem doença, nos termos dos anexos i e ii da presente lei.

Artigo 6.º

Regulamentação

O Governo regulamenta a presente lei no prazo máximo de 90 dias após a sua publicação.

Artigo 7.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor 30 dias após a sua publicação.

Aprovada em 19 de julho de 2019.

O Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues.

Promulgada em 16 de agosto de 2019.

Publique-se.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

Referendada em 21 de agosto de 2019.

O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa.

ANEXO I

Carta para a Participação Pública em Saúde

Artigo 1.º

Missão e objetivos

1 – A Carta para a Participação Pública em Saúde, doravante designada por Carta, pretende fomentar a participação por parte das pessoas, com ou sem doença e seus representantes, nas decisões que afetam a saúde da população, e incentivar a tomada de decisão em saúde assente numa ampla participação pública.

2 – A Carta pretende ainda promover e consolidar a participação pública a nível político e dos diferentes órgãos e entidades do Estado, em Portugal, através do aprofundamento dos processos de participação já existentes e da criação de novos espaços e mecanismos participativos.

3 – Desta forma, a Carta contribui para:

a) Promover e defender os direitos das pessoas com ou sem doença, em especial no que respeita à proteção da saúde, da informação e da participação;

b) Informar as entidades públicas sobre as prioridades, necessidades e preocupações das pessoas com ou sem doença e seus representantes;

c) Tornar as políticas de saúde mais eficazes e, consequentemente, obter melhores resultados em saúde;

d) Promover a transparência das decisões e a prestação de contas por parte de quem decide;

e) Aproximar o Estado e a sociedade civil, aprofundando o diálogo e a interação regular entre ambos;

f) Legitimar as decisões sobre a avaliação custo-efetividade e os dilemas éticos colocados pelas inovações tecnológicas.

Artigo 2.º

Princípios

A participação pública em saúde deve assentar nos seguintes princípios:

a) Reconhecimento da participação pública como direito das pessoas com ou sem doença e seus representantes;

b) Reconhecimento das pessoas com ou sem doença e seus representantes como parceiros nos processos de tomada de decisão;

c) Reconhecimento da importância do conhecimento e da experiência específicos da pessoa com ou sem doença;

d) Autonomia e independência das pessoas com ou sem doença e seus representantes nos processos;

e) Transparência e divulgação pública dos processos participativos;

f) Criação das condições necessárias à participação;

g) Complementaridade e integração entre instituições e mecanismos da democracia representativa e da democracia participativa.

Artigo 3.º

Âmbito

1 – A participação pública das pessoas com ou sem doença e seus representantes compreende a tomada de decisão no âmbito da política de saúde e outras políticas relacionadas, tanto ao nível dos respetivos ministérios, incluindo os serviços integrados na administração direta ou indireta do Estado, órgãos consultivos e outras entidades relacionadas com a saúde, como da Assembleia da República e conselhos nacionais na área da saúde que funcionam junto desta, assim como dos órgãos do poder local.

2 – A participação pública das pessoas com ou sem doença e seus representantes aplica-se a todas as entidades ou sistemas que prestem serviços de saúde, incluindo o sistema nacional de saúde, entidades privadas, com ou sem fins lucrativos, e entidades do terceiro sector.

3 – A participação pública das pessoas com ou sem doença e seus representantes abrange, nomeadamente, as seguintes áreas:

a) Plano Nacional de Saúde e programas de saúde;

b) Gestão do SNS, incluindo recursos humanos, materiais e financeiros, e organização da prestação dos cuidados de saúde, através dos agrupamento de centros de saúde e dos hospitais;

c) Orçamento do Estado para a saúde;

d) Avaliação de tecnologias de saúde;

e) Avaliação da qualidade em saúde;

f) Normas e orientações;

g) Ética e investigação em saúde;

h) Direitos das pessoas com ou sem doença e seus representantes.

Artigo 4.º

Linhas orientadoras

Os processos participativos no âmbito da tomada de decisão em saúde devem respeitar as seguintes orientações:

a) Envolvimento de todas as partes interessadas e afetadas, incluindo as mais vulneráveis;

b) Garantia de diversidade e paridade nos processos participativos;

c) Estabelecimento de critérios transparentes de escolha das pessoas e organizações que neles participam;

d) Rotatividade das pessoas e organizações que neles participam;

e) Dinamização e democracia;

f) Formalização;

g) Diversificação das formas e oportunidades de participação;

h) Implementação de mecanismos adaptados a populações específicas;

i) Promoção da sua autonomia e independência e das pessoas e organizações que neles participam, evitando a cooptação pelo sistema;

j) Acompanhamento permanente, incluindo dos seus resultados, envolvendo as pessoas e organizações que neles participam;

k) Integração entre as suas modalidades municipais, regionais e nacionais, quando existam;

l) Divulgação pública e em tempo útil de informação relevante sobre saúde e os próprios processos, no que respeita a oportunidades, critérios, formas, resultados, conclusões, em linguagem simples, objetiva e em formatos acessíveis;

m) Elaboração de um relatório anual sobre a participação pública em saúde, envolvendo as pessoas e organizações que neles participam;

n) Disponibilização dos recursos humanos, materiais e financeiros necessários à participação;

o) Eliminação das barreiras financeiras, geográficas e/ou culturais e linguísticas à participação;

p) Desenvolvimento de ferramentas necessárias para envolver amplamente as pessoas com ou sem doença e seus representantes;

q) Incentivo e promoção de ações e programas de apoio institucional, formação e qualificação em participação pública para decisores, profissionais de saúde e pessoas com ou sem doença e seus representantes;

r) Desenvolvimento de programas de investigação sobre a participação pública e os mecanismos mais eficazes para assegurar a participação na tomada de decisão em saúde, envolvendo as pessoas e organizações que neles participam;

s) Dinamização da cooperação internacional na área da participação pública em saúde, através da partilha de conhecimento e ferramentas, incluindo boas práticas para a participação das pessoas com ou sem doença e seus representantes.

Artigo 5.º

Formas de participação

1 – A participação pública na tomada de decisão em saúde deve contemplar mecanismos de participação presencial e remota, quer de iniciativa das instituições do Estado e privadas quer das pessoas e organizações que participam.

2 – A participação pública deve ainda ser operacionalizada de forma sistemática, através de mecanismos diversos, de forma a ir ao encontro das especificidades de todas as partes interessadas e afetadas e promover uma participação ampla e diversificada, nomeadamente através de:

a) Reuniões públicas;

b) Audições públicas;

c) Consultas públicas;

d) Representação em conselhos consultivos, comissões ou grupos de trabalho especializados ou setoriais, no âmbito da política de saúde e políticas relacionadas, tanto a nível nacional como regional e municipal;

e) Conselhos da comunidade, junto das diversas entidades e serviços relevantes no âmbito da política de saúde e políticas relacionadas;

f) Comissões de utentes;

g) Conselhos municipais de saúde;

h) Conselho nacional para a participação em saúde;

i) Fórum nacional sobre participação em saúde;

j) Plataformas digitais para a participação pública em saúde.

3 – Para além dos mecanismos mencionados, deve ser sempre contemplada a possibilidade de, a qualquer momento, serem criadas e experimentadas novas formas de participação pública.

ANEXO II

Critérios de elegibilidade para a representação das pessoas com ou sem doença

Artigo 1.º

Objeto

As organizações de pessoas com doença, utentes dos serviços de saúde e/ou consumidores, envolvidas nas atividades do ministério que tutela a área da saúde e do Serviço Nacional de Saúde (SNS), devem cumprir os critérios referidos nos artigos seguintes.

Artigo 2.º

Estatuto legal

A organização deve estar constituída nos termos da lei geral, ser dotada de personalidade jurídica, desenvolver a sua atividade sem fins lucrativos, estar registada em Portugal e ser devidamente reconhecida, nos termos da legislação em vigor.

Artigo 3.º

Missão e objetivos

A missão e objetivos da organização devem estar definidos de forma clara nos seus estatutos e demonstrar o interesse concreto da organização na defesa dos direitos e dos interesses das pessoas com doença, dos utentes dos serviços de saúde ou dos consumidores, consoante se trate, respetivamente, de uma associação de pessoas com doença, de utentes dos serviços de saúde ou de consumidores.

Artigo 4.º

Âmbito de atividade

Entre as atividades desenvolvidas pela organização, devem incluir-se atividades relacionadas com a área da saúde, as quais devem estar documentadas nos relatórios de atividades.

Artigo 5.º

Representação

1 – A organização deve representar e defender os interesses e os direitos das pessoas com doença, utentes dos serviços de saúde e/ou consumidores, consoante se trate, respetivamente, de uma associação de pessoas com doença, de utentes dos serviços de saúde ou de consumidores, e, preferencialmente, de âmbito nacional.

2 – A organização deve ainda demonstrar que cumpre pelo menos um dos seguintes critérios:

a) A maioria dos membros votantes da organização são pessoas com doença, utentes dos serviços de saúde, consumidores, seus cuidadores ou representantes legais, outras pessoas afetadas, ou respetivas organizações, no caso de organizações «chapéu», com o poder de nomear e eleger os órgãos sociais da organização;

b) A maioria dos membros dos órgãos sociais da organização são pessoas com doença, utentes dos serviços de saúde, consumidores, seus cuidadores ou representantes legais, outras pessoas afetadas, ou respetivas organizações, no caso de organizações «chapéu»;

c) A organização tem uma estrutura de governação que garante que é orientada para e pelas pessoas com doença, utentes dos serviços de saúde, consumidores, ou seja, que as necessidades e pontos de vista daqueles orientam de forma significativa a estratégia, políticas e atividades da organização e que esta é capaz de representar as suas necessidades e os seus pontos de vista.

Artigo 6.º

Estrutura democrática

A organização deve ter órgãos sociais eleitos pelos seus membros e assegurar o diálogo e a partilha de informação de e para os seus membros, de forma a garantir a efetiva participação destes nos processos de decisão.

Artigo 7.º

Responsabilidade

As declarações e opiniões da organização devem refletir as opiniões dos seus membros, os quais devem ser consultados regularmente e de forma apropriada.

Artigo 8.º

Transparência

1 – A organização deve publicar na sua página da Internet:

a) Os seus estatutos registados;

b) Os relatórios de gestão e contas, acompanhados de informação sobre as suas fontes de financiamento, tanto públicas como privadas, incluindo o nome das entidades e a respetiva contribuição, quer em termos absolutos quer em termos de percentagem do orçamento total da organização;

c) Os relatórios de atividades.

2 – A organização deve ainda seguir um código de conduta e de política de regulação da sua relação e independência relativamente aos financiadores e a outras entidades públicas ou privadas.»