Parecer sobre o projeto de lei de alteração à Lei Orgânica da Fundação para a Ciência e a Tecnologia – Conselho Nacional de Educação


«Parecer n.º 4/2018

Sobre o projeto de lei de alteração à Lei Orgânica da Fundação para a Ciência e Tecnologia, I. P.

Preâmbulo

No uso das competências que por lei lhe são conferidas e nos termos regimentais, após apreciação do projeto de Parecer elaborado pelos relatores Inês Duarte, Sebastião Feyo de Azevedo e Joaquim Mourato, o Conselho Nacional de Educação, em reunião plenária de 12 de dezembro de 2017, deliberou aprovar o referido projeto, emitindo assim o seu sexto Parecer do ano de 2017.

Comissão de Educação e Ciência da Assembleia da República solicitou ao Conselho Nacional de Educação parecer sobre o projeto de lei n.º 619/XIII/3.ª, que introduz uma alteração no Decreto-Lei n.º 55/2013, de 17 de abril, que aprova a orgânica da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I. P.

O artigo 1.º do projeto de lei n.º 619/XIII/3.ª alarga as atribuições conferidas à Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I. P. pela alínea f) do Artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 55/2013, de 17 de abril; assim, propõe que, para além de “Avaliar as atividades nacionais de ciência e tecnologia”, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I. P., passe igualmente a avaliar “a transferência e valorização do conhecimento.” Para cumprimento desta nova atribuição, propõe a introdução no mesmo artigo de um novo n.º 3, que obriga a FCT, I. P., a “apresenta[r] anualmente à Assembleia da República um Relatório sobre o estado do sistema científico e tecnológico nacional e da transferência do conhecimento.”

No seu artigo 2.º, o mesmo projeto de lei propõe que seja aditado ao Decreto-Lei n.º 55/2013, de 17 de abril, o artigo 3.º-A, intitulado “Avaliação”, com a seguinte redação:

“Artigo 3.º-A

Avaliação

1 – Para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo anterior, a avaliação do sistema científico e tecnológico nacional e da transferência e valorização do conhecimento abrange as instituições nacionais em todos os domínios da ciência e tecnologia.

2 – A avaliação referida no número anterior consiste, designadamente, no levantamento e tratamento sistemático e integral de todas as informações e dados de operação das atividades de transferência de tecnologia, licenciamento e valorização do conhecimento em Portugal, com especial enfoque nas patentes, valor dos licenciamentos, número de spinoffs criadas e atividade resultante da colaboração indústria-universidade.

3 – A avaliação referida no n.º 1 deve ser feita, designadamente, com recurso a métricas e parâmetros de avaliação internacionalmente estabelecidos e mediante uma monitorização regular de caráter anual ao sistema científico e tecnológico nacional de molde a permitir o acompanhamento do seu desenvolvimento e a comparação internacional.”

Em nosso entender, o projeto de lei em apreciação confunde os conceitos de “estado do sistema científico e tecnológico e da transferência do conhecimento” e de “avaliação do sistema científico e tecnológico e da transferência do conhecimento”.

Com efeito, o que surge designado como avaliação no n.º 2 do artigo 3.º-A é, de facto, a compilação de dados, devidamente tratados, que informam sobre a condição em que se encontram as atividades de ID em Portugal, ou seja, sobre o “estado do sistema científico e tecnológico e da transferência do conhecimento”.

Mesmo numa aceção mais abrangente, como a inspirada na fórmula “state of the Union” inscrita na Constituição Americana, um relatório sobre o “estado do sistema científico e tecnológico e da transferência do conhecimento”, embora possa incluir o conjunto de medidas que constituem a agenda da instituição para um determinado período, não inclui o que é proposto no n.º 3 do artigo 3.º-A.

Acresce que as competências atribuídas no n.º 2 deste artigo à FCT, I. P., estão cometidas, pelo Decreto Regulamentar n.º 13/2012, de 20 de janeiro, à Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), tutelada pelo Ministério da Educação e pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Estas competências, como estipulado, nomeadamente, nas alíneas c), f), i) e o) do artigo 2.º do referido diploma legal, são concretizadas através de elementos estatísticos elaborados, designadamente, no âmbito do Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico Nacional (IPCTN), instrumento oficial de contabilização dos recursos humanos e da despesa em I&D. Como se pode ler no sítio da DGEEC (http://www.dgeec.mec.pt/np4/206/, consultado em 19.11.2017):

“As estatísticas oficiais sobre I&D em Portugal são produzidas a partir do Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico Nacional (IPCTN) às Empresas, ao Estado, ao Ensino Superior e às Instituições Privadas sem Fins Lucrativos (IPSFL).

O IPCTN é o instrumento oficial (integra o Sistema Estatístico Nacional) de contabilização dos recursos humanos e da despesa em I&D, seguindo critérios acordados a nível europeu pelo EUROSTAT e em articulação com a OCDE. A importância deste inquérito é hoje um facto reconhecido para a própria relevância das instituições portuguesas num contexto internacional. Em Portugal o IPCTN realiza-se desde 1982. A base conceptual está de acordo com critérios internacionais e definidos no Manual de Frascati.”

Atribuir as funções explicitadas no n.º 2 do artigo 3.º – A à FCT, I. P., representa, assim, uma duplicação indesejável. Ou significará esta proposta legislativa a vontade de retirar à DGEEC a produção do IPCTN?

Registe-se ainda que, nas alíneas g), h) e i) do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 55/2013, de 17 de abril, prevê-se já que constitua atribuição da FCT, I. P.:

“Promover a cultura científica e tecnológica e a difusão e divulgação do conhecimento científico e técnico;”

“Promover a transferência de conhecimento a nível nacional e internacional, designadamente através da concessão de subsídios a projetos, programas ou eventos de interesse científico e tecnológico, bem como da concessão de apoio financeiro a publicações científicas;”

“Promover a participação da comunidade científica, tecnológica e de inovação nacional, ou ser parceira, em projetos nacionais ou internacionais relevantes, designadamente na criação, absorção e difusão de conhecimento e tecnologia, no acesso a equipamentos científicos altamente sofisticados ou na área da computação científica;”

A “transferência e a valorização do conhecimento” é, portanto, claramente visada nas três alíneas acima transcritas, embora como objeto de promoção e não de avaliação.

Ora em nosso entender não parece ser de atribuir à FCT, I. P., a avaliação da “transferência e a valorização do conhecimento”, que envolve um conjunto de atividades multifacetadas, de tipologias e destinatários muito variados e envolvendo atores muito diversificados, muitas das quais desenvolvidas fora da esfera de ação dessa instituição. Com efeito, terá a FCT, I. P., os recursos humanos indispensáveis para assumir estas funções, para além de todas aquelas que já lhe estão cometidas e que não raro não consegue cumprir atempadamente?

Finalmente, tanto o IPCTN, como o relatório anual que a FCT, I. P., como qualquer instituição pública, é obrigada a fazer, são públicos e a Assembleia da República tem deles conhecimento através dos canais habituais.

12 de dezembro de 2017. – A Presidente, Maria Emília Brederode Santos.

Declaração de Voto

Confrontado com o Projeto de Parecer sobre o “Projeto de lei de alteração à Lei Orgânica da Fundação para a Ciência e Tecnologia, I. P.”, decidi votar contra por nele não me rever. O parecer não emite opinião sobre o objetivo fundamental da proposta de alteração de lei – a necessária avaliação da transferência e valorização do conhecimento – e refuta a proposta com base em três pontos, dois dos quais discutíveis e subjetivos, a saber:

O Primeiro, sobre conceções dicotómicas entre a “avaliação do sistema” e o “estado do sistema”;

O segundo, sobre a opinião dos relatores: na capacidade do IPCTN substituir a “avaliação” proposta no Artigo 3.º A; na duplicação de estatística ou no facto desta proposta poder incluir “uma vontade de retirar à DGEEC a produção do IPCTN”; na possível escassez de recursos da FCT, I. P., para assumir essas funções. Trata-se de uma opinião subjetiva que careceria de aprofundamento de discussão para poder vir a ser por mim subscrita, nos termos em que está emitida;

O terceiro, tecendo um juízo de valor sobre a não necessidade da Assembleia da República de informação adicional, para além da já publicada em relatórios públicos, para avaliar o sistema científico e tecnológico nacional e transferência e valorização do conhecimento. Face às competências do órgão de governo em causa não me sinto legitimado enquanto Conselheiro do CNE para apoiar este juízo.

Concluindo, apesar de concordar com a “proposta” de substituição da redação “A avaliação referida no número anterior consiste” no n.º 2 do artigo 3.º-A por “A avaliação referida no número anterior assenta no levantamento do estado do sistema” (primeiro ponto), salvo melhor opinião entendo que não cabe ao CNE emitir os juízos de valor subjetivos expressos no segundo ponto, nem tão pouco colocar em causa a prestação de contas que a Assembleia da República, um dos órgãos de soberania consagrado na Constituição, quer que lhe seja prestada (terceiro ponto). – Paulo Simões Lopes.»