Programa Da Habitação ao Habitat


«Resolução do Conselho de Ministros n.º 56/2018

O XXI Governo Constitucional reconheceu, no âmbito das suas prioridades políticas, o papel central da habitação para a melhoria da qualidade de vida das populações, para a revitalização e competitividade das cidades e para a coesão social e territorial.

Este reconhecimento justificou a aprovação, pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 50-A/2018, de 2 de maio, do sentido estratégico, objetivos e instrumentos de atuação para uma Nova Geração de Políticas de Habitação, que contribua para resolver problemas herdados e para dar resposta à nova conjuntura do setor habitacional.

A Nova Geração de Políticas de Habitação adota uma abordagem ampla à habitação, percecionando-a como parte do sistema urbano em que esta se insere e como um meio para alcançar o objetivo global de melhoria das condições de vida das populações.

Anteriormente, as políticas de habitação orientadas para a resposta aos agregados familiares com graves carências habitacionais assentaram, essencialmente, na produção de oferta habitacional pública concentrada em áreas urbanas específicas – os denominados «bairros sociais», nem sempre se tendo assegurado intervenções integradas ou potenciado esta mais-valia no acesso à habitação no quadro de intervenções mais sistémicas e consequentes sobre as vulnerabilidades que acompanham sempre estas carências. Este modelo contribuiu frequentemente para fenómenos de periferização e homogeneidade social, tendo como resultado a segregação territorial e a continuidade ou, em certos casos, o agravamento de dinâmicas de exclusão social. Um sinal indicativo deste ciclo é o facto de muitos dos moradores destes bairros, para os quais a carência habitacional, em sentido estrito, foi resolvida, permanecerem, décadas depois do realojamento, em situação de pobreza, desemprego, alvo de fenómenos de exclusão e discriminação, incluindo discriminação múltipla e intersecional, entre outras vulnerabilidades económicas e sociais.

Tendo-se dado um passo importante, e de mérito inegável, na minimização das carências habitacionais quantitativas, importa agora assumir a necessidade de complementar este avanço criando as condições para que os referidos bairros passem a ser parte integrante e integrada das áreas urbanas onde se inserem, bem como para que os seus moradores possam beneficiar de uma melhoria, que vá além da questão habitacional, e abranja de forma global as suas condições de vida. Para este fim, assume especial importância a implementação de intervenções com base em modelos de governança multinível e participativos, e que promovam respostas integradas ao nível das diferentes políticas setoriais (habitação, educação, emprego, ação social, saúde, cultura, segurança, cidadania e igualdade, entre outras) aos desafios específicos dos territórios e agregados familiares em causa.

Dada a multidimensionalidade dos problemas e fenómenos que afetam estes territórios, é já corrente que aí se concentrem meios e recursos extraordinários de diferentes políticas setoriais, e operem diversas estruturas e entidades, tanto da administração central como local, bem como do terceiro setor, visando dar resposta a problemas específicos das comunidades residentes. Esta alocação extraordinária de recursos e concentração de entidades operantes tem vindo a ocorrer, na sua generalidade, de forma setorial e isolada, muitas vezes até se sobrepondo em termos de âmbito de atuação, e raramente têm tido como resultado uma plena e perene concretização dos seus objetivos em termos de integração social e melhoria global das condições de vida das populações.

Considera-se, assim, que importa repensar a forma de atuação nestes territórios, promovendo uma maior articulação e cooperação entre todos os atores envolvidos, com vista a promover e consolidar sistemas de decisão e governança colaborativa e otimizar o potencial dos meios e recursos alocados para o alcance de resultados em termos de melhoria global das condições de vida dos moradores e de coesão e integração socioterritorial dos bairros de arrendamento públicos.

É neste sentido, e construindo sobre as experiências anteriores de intervenção neste tipo de territórios que tiveram por base modelos operacionais multinível, integrados, participativos e de base local, das quais a mais recente foi a Iniciativa Operações de Qualificação e Reinserção Urbana de Bairros Críticos, que se orienta e alicerça o programa que agora se pretende desenvolver.

Este programa centra-se no lançamento de um conjunto de intervenções-piloto, que terão como âncora soluções inovadoras de gestão integrada e participada, de concertação de objetivos e de articulação das atuações das diferentes áreas governativas e entidades presentes nos bairros em questão, e de desenvolvimento de processos colaborativos de tomada de decisão e de construção de compromissos para a ação.

O objetivo do programa é que as intervenções-piloto empreendidas permitam testar e tirar conclusões, nomeadamente em termos de boas práticas, sobre um conjunto de soluções e de metodologias passíveis de serem, posteriormente, generalizadas aos bairros de arrendamento público, com vista à melhoria global das condições de vida dos seus moradores e a uma maior coesão e integração socioterritorial destes territórios.

Assim:

Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:

1 – Aprovar o lançamento do programa Da Habitação ao Habitat, cujo âmbito e modelo de organização e funcionamento se determinam nos termos seguintes:

2 – Determinar que o programa Da Habitação ao Habitat assenta em intervenções-piloto que visam testar e tirar conclusões sobre soluções de governança integradas, participadas e inovadoras, ao nível metodológico, conceptual e operacional, da atuação pública em bairros de arrendamento públicos, passíveis de serem aplicadas a outros territórios similares, com vista à melhoria global das condições de vida dos moradores e a uma maior coesão e integração socioterritorial destes bairros.

3 – Estabelecer que as intervenções a que se refere o número anterior terão a duração de 24 meses e incidem sobre um número restrito de bairros, preferencialmente da propriedade do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana I. P. (IHRU, I. P.), a definir por despacho do Ministro do Ambiente, ouvidas as áreas governativas referidas no n.º 8 e as câmaras municipais respetivas, no prazo de 30 dias a contar da entrada em vigor da presente resolução e tendo por base as seguintes condições:

a) Presença no bairro, ou incidência sobre o mesmo, de iniciativas, medidas, programas apoios ou outros instrumentos de política pública de diferentes áreas governativas, orientados especificamente para o combate à pobreza, a integração social e a resposta a problemas que afetam de forma particular estes territórios e as populações neles residentes;

b) Escala adequada para o desenvolvimento das intervenções-piloto, tendo em conta os objetivos e prazos do programa;

c) Existência de uma rede institucional no terreno e de associações ou outras formas de organização da população;

d) Dispersão geográfica dos bairros a intervencionar;

e) Disponibilidade e empenho do município respetivo em colaborar com o programa;

f) Existência de potencial e massa crítica nos territórios que potencie o alcançar de resultados nos prazos do programa e a sua visibilidade.

4 – Determinar que, para cada bairro deve ser preparado um plano de ação que incorpore soluções inovadoras, nomeadamente no que respeita:

a) Às formas de atuação e de aplicação dos recursos por parte das diversas entidades envolvidas, com especial enfoque na otimização do potencial dos meios e recursos alocados para o alcance de resultados em termos de melhoria global das condições de vida dos moradores e de coesão e integração socioterritorial do bairro;

b) Ao sistema de codecisão e condução de processos a adotar, privilegiando o desenvolvimento de processos multinível, integrados e participativos, que permitam uma concertação das atuações, mediante uma forte articulação e cooperação entre as diversas entidades, bem como o ativo envolvimento dos moradores em todo o processo, criando canais de comunicação específicos e permanentes.

5 – Definir que os planos de ação devem ter em conta:

a) A necessidade de construir um quadro de referência partilhado, que enquadre o sentido estratégico, as metas, os objetivos e as ações a desenvolver no âmbito da intervenção-piloto;

b) Os objetivos gerais em termos de melhoria global das condições de vida dos moradores e de coesão e integração socioterritorial do bairro, tendo em conta as características, necessidades e expectativas específicas das comunidades e dos grupos que as integram, bem como as especificidades contexto urbano concreto, o que implica a procura de soluções sustentáveis em termos de efeitos e resultados e a criação de condições de continuidade das soluções integradas e participativas;

c) O objetivo específico do programa relativamente à capacidade de generalização das boas práticas derivadas das conclusões sobre as intervenções-piloto a outros bairros, o que pressupõe que estes planos:

i) Não se ancorem em soluções que exijam uma alocação de recursos extraordinária face à concentração que já se verifica, sem prejuízo do aproveitamento de oportunidades de financiamento disponíveis para estes territórios e comunidades e da disponibilidade de reforço de meios e recursos por parte de alguma das entidades envolvidas;

ii) Implementem sistemas sólidos de monitorização do programa e de avaliação dos seus resultados, que, para além da execução, incidam em particular sobre a prossecução dos objetivos gerais e as relações interinstitucionais e articulações intersetoriais estabelecidas, e que definam metas e indicadores mensuráveis e recomendações de revisão e aperfeiçoamento;

iii) Prevejam a elaboração de um relatório final de avaliação, que sintetize a aprendizagem num conjunto de recomendações e boas práticas passíveis de generalização a outros territórios.

6 – Estabelecer que, sem prejuízo da flexibilidade necessária para a conceção de planos de ação adequados aos territórios específicos das intervenções, deve ser dada particular atenção aos seguintes domínios de atuação:

a) Novos modelos de gestão do bairro, que reforcem o envolvimento dos moradores, seja por via de cogestão, de participação na tomada de decisão e/ou de criação de oportunidades no âmbito dos serviços necessários à própria gestão e manutenção do bairro;

b) Promoção da integração social e de inclusão e sucesso escolar das crianças e jovens, com especial enfoque na educação, na cultura, no desporto e na promoção da cidadania;

c) Promoção da integração social de grupos especialmente afetados por fenómenos de exclusão social e discriminação, incluindo discriminação múltipla e intersecional, podendo incidir sobre as áreas da formação e qualificação, cultura, cidadania, prevenção e combate à violência, promoção da igualdade e da não discriminação, entre outras;

d) Apoio e facilitação do acesso ao emprego, à empregabilidade e ao desenvolvimento de atividades económicas por parte dos moradores, podendo incluir ações nos domínios da formação e qualificação, apoio à procura ou criação do próprio emprego, disponibilização de espaços para desenvolvimento de atividades económicas, entre outros;

e) Promoção da saúde e prevenção da doença, incluindo a área da saúde mental, podendo envolver ações de sensibilização, formação e qualificação, rastreio e acompanhamento domiciliário, promoção da educação para a saúde e literacia em saúde, entre outras, sempre que possível em articulação com outros setores;

f) Criação das condições necessárias para a conciliação entre a vida profissional, familiar e pessoal dos residentes, tendo em conta os impactos particulares sobre mulheres e homens, designadamente através do fomento de redes locais de sociabilidade e cooperação, da capacitação e coesão social das comunidades residentes e da articulação com os territórios adjacentes;

g) Prevenção do desenvolvimento de comportamentos desviantes e da marginalidade, mediante ações nas áreas da prevenção primária e secundária, educação, segurança, cultura, desporto e lazer;

h) Valorização da diversidade cultural e promoção do diálogo intercultural, como forma de reconhecimento, integração, e desenvolvimento dos recursos e potencialidades das comunidades, de promoção da autoconfiança, sentimento de pertença, e da autonomia dos indivíduos, de garantia das condições de participação e do exercício eficaz das liberdades e dos direitos humanos, de proteção contra a discriminação e de fortalecimento da coesão social e da cidadania e de redução de conflitos, em particular através de ações nos domínios das línguas, educação, comunicação, artes e criatividade;

i) Melhoria das condições habitacionais e ambientais do bairro, incluindo das acessibilidades, aumento da diversidade social e funcional, e promoção da integração funcional e urbanística na área urbana em que se insere.

7 – Determinar que, a cada plano de ação corresponderá um acordo de cooperação que inclui:

a) O sentido estratégico, as metas e os objetivos definidos, as ações a desenvolver e os resultados a atingir;

b) O sistema de gestão e de codecisão a implementar;

c) As entidades responsáveis por cada uma das ações, a sua calendarização e a articulação entre ações;

d) Os recursos e meios a mobilizar;

e) O sistema de monitorização e avaliação a adotar;

f) A composição da equipa de ação local.

8 – Determinar que, para cada intervenção-piloto, será constituído um grupo de trabalho que terá a responsabilidade de, no prazo de 6 meses, desenvolver o plano de ação e respetivo acordo de cooperação a celebrar entre todas as entidades envolvidas na sua execução.

9 – Estabelecer que cada grupo de trabalho é constituído por um ou mais representantes das seguintes áreas governativas e entidades:

a) Ministro do Ambiente, que coordenará;

b) Ministra da Presidência e da Modernização Administrativa;

c) Ministro da Administração Interna;

d) Ministro da Cultura;

e) Ministro da Educação;

f) Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social;

g) Ministro da Saúde;

h) Câmara municipal do concelho de localização do bairro;

i) Junta de freguesia respetiva;

j) Condomínios, comissões ou associações de moradores, caso existam;

k) Outras entidades com atuação significativa no bairro.

10 – Determinar que os representantes de cada uma das áreas governativas e entidades referidas no número anterior devem ser designados no prazo de 15 dias a contar da data do despacho que seleciona os bairros alvo da intervenção-piloto.

11 – Os grupos de trabalho cessam as suas funções com a celebração do acordo de cooperação.

12 – Determinar que o acordo de cooperação está sujeito a homologação conjunta do Ministro do Ambiente e dos ministros competentes em razão das ações a desenvolver.

13 – Determinar que as equipas de ação local estarão sediadas no bairro em que operam, e cada uma é constituída por dois elementos a designar pelo IHRU, I. P., que podem, para o efeito, ser selecionados através de procedimento de contratação de prestação de serviços com a duração do programa, sendo a restante composição variável, podendo integrar elementos indicados pelas entidades envolvidas, consoante o âmbito de cada plano de ação em concreto o justifique.

14 – Definir que as equipas de ação local têm como função:

a) Acompanhar, dinamizar e zelar pela boa execução das ações previstas no acordo de cooperação, em particular, garantindo a boa articulação e coordenação entre as mesmas;

b) Executar as ações previstas de sua responsabilidade, inscritas no acordo de cooperação ou em articulação com o IHRU I. P.;

c) Assegurar canais de comunicação específicos e permanentes entre todas as entidades envolvidas e com a comunidade;

d) Apresentar propostas e recomendações que visem melhorar a execução das ações e o alcançar dos resultados esperados;

e) Apoiar a monitorização e avaliação da iniciativa-piloto.

15 – Determinar que é criada uma comissão de acompanhamento do programa, composta por representantes das áreas governativas referidas no n.º 8 e das câmaras municipais envolvidas, à qual compete:

a) Acompanhar o desenvolvimento dos planos de ação e a sua execução;

b) Emitir parecer relativamente aos planos de ação e aos acordos de cooperação, à monitorização e avaliação das iniciativas-piloto e aos relatórios finais de avaliação;

c) Promover a incorporação das recomendações e boas práticas constantes dos relatórios finais de avaliação no âmbito das competências e domínios de atividade das entidades representadas.

16 – Determinar que os representantes das áreas governativas e entidades presentes na comissão de acompanhamento devem ser designados no prazo de 15 dias a contar da data do despacho que seleciona os bairros alvo da intervenção-piloto.

17 – Estabelecer que a coordenação do programa é assegurada pelo IHRU, I. P., que para o efeito deve:

a) Dar apoio metodológico, administrativo e logístico ao funcionamento dos grupos de trabalho e da comissão de acompanhamento;

b) Apoiar a preparação dos planos de ação e dos acordos de cooperação;

c) Assegurar a atividade das equipas de ação local;

d) Assegurar, mediante o contacto regular com as entidades e serviços públicos envolvidos, a articulação e a coordenação das diversas atuações programadas e a sua boa execução;

e) Promover a implementação de sistemas de monitorização e avaliação e produzir os relatórios finais de avaliação das iniciativas-piloto e do programa;

f) Promover a integração da aprendizagem com o programa, nomeadamente, as recomendações e boas práticas constantes dos relatórios finais de avaliação, nos bairros de arrendamento de sua propriedade, e sensibilizar as restantes entidades envolvidas e os municípios para a importância e as mais-valias de incorporar esta aprendizagem no âmbito das suas competências e domínios de atividade.

18 – Estabelecer que os membros dos grupos de trabalho e da comissão de acompanhamento não auferem qualquer remuneração suplementar pelo exercício das funções previstas na presente resolução, acumulando as funções de origem com a participação no presente programa.

19 – Determinar que o presente programa vigora até maio de 2020.

20 – Determinar que a presente resolução produz efeitos a partir da data da sua aprovação.

Presidência do Conselho de Ministros, 26 de abril de 2018. – Pelo Primeiro-Ministro, Augusto Ernesto Santos Silva, Ministro dos Negócios Estrangeiros.»