Proposta de alteração ao Código Deontológico da Ordem dos Médicos

«Aviso n.º 84/2020

Sumário: Proposta de alteração ao Código Deontológico da Ordem dos Médicos.

Proposta de Alteração ao Código Deontológico da Ordem dos Médicos publicado em anexo ao Regulamento n.º 707/2016, de 21 de julho de 2016

O tráfico de órgãos humanos constitui uma grave violação dos direitos humanos e liberdades fundamentais, uma afronta à própria noção de dignidade humana e de liberdade pessoal, e uma ameaça grave para a saúde e vida dos doentes, saúde pública, e para os “dadores” de órgãos.

Geralmente os transplantes são feitos em clínicas clandestinas. Estas são, por vezes, improvisadas, sem quaisquer condições de segurança e higiene, mas também há casos em que os transplantes ocorrem em clínicas ou unidades hospitalares já estabelecidas e com elevado grau de sofisticação. Em ambas as situações, recorre-se a órgãos provenientes de dadores que não são estudados adequadamente do ponto de vista clínico, podendo, deste modo, ser portadores de doenças transmissíveis.

A saúde dos dadores pode, igualmente, estar em grave risco, sofrendo frequentemente sérias complicações devido à falta de acompanhamento médico no pós-operatório acabando, nalguns casos, por perder a vida.

O tráfico de órgãos humanos tem uma dimensão mundial, principalmente o tráfico de rins, mas embora ocorra, geralmente, fora da União Europeia, nenhum país está imune àquele fenómeno, em especial ao denominado «turismo de transplantação», porque a oferta de órgãos humanos é insuficiente para as necessidades da população.

Os médicos que tratam doentes no pré-transplante e no pós-transplante encontram-se numa posição única para prevenir, detetar e denunciar crimes relacionados com a transplantação. No pré-transplante, os médicos acompanham doentes que podem considerar a hipótese de recorrer à compra de órgãos e avaliam potenciais dadores vivos e recetores (par dador-recetor), incluindo dadores vivos não residentes. No pós-transplante tratam doentes que podem ter sido transplantados fora do País e regressaram ao centro de transplantação de origem para seguimento médico (follow-up).

Os médicos têm o dever de proteger a saúde e a vida dos seus doentes, mas também o dever de proteger a saúde e a vida das potenciais vítimas de tráfico de órgãos humanos.

A Convenção relativa à luta contra o Tráfico de Seres Humanos do Conselho da Europa, aberta a assinatura em Varsóvia, no 16 de maio de 2005, e assinada por Portugal na respetiva data de abertura, aprovada pela Assembleia da República em 4 outubro de 2007, através da Resolução n.º 1/2008, e ratificada pelo Presidente da República, pelo Decreto n.º 9/2008, de 14 de janeiro, publicados no Diário da República, 1.ª série, n.º 9, de 14 de janeiro, criminaliza o tráfico de seres humanos para fins de extração de órgãos humanos.

A Convenção do Conselho da Europa contra o Tráfico de Órgãos Humanos, aberta à assinatura em Santiago de Compostela, em 25 de março de 2015, e assinada por Portugal na respetiva data de abertura, aprovada pela Assembleia da República, através da Resolução n.º 236/2018, de 23 de março, e ratificada pelo Presidente da República, através do Decreto n.º 48/2018, de 7 de agosto, publicados no Diário da República, 1.ª série, n.º 152, de 7 de agosto, criminaliza distintas atividades que constituem tráfico de órgãos humanos.

O conceito central é a «extração ilícita de órgão» que consiste no ato de remover órgão humano sem o consentimento válido ou em troca de ganhos financeiros ou vantagens equiparáveis, com vista à sua transplantação.

A Resolução CM/Res (2017)2, de 14 de junho de 2017, do Conselho da Europa, sobre o estabelecimento de procedimentos para a gestão de doentes que receberam um transplante no exterior e regressaram ao seu país de residência para receberem seguimento médico, recomenda aos Estados Membros a definição de um quadro legal, tendo em vista a comunicação por parte dos médicos de casos suspeitos ou confirmados de tráfico de órgãos humanos às autoridades nacionais competentes.

O Regulamento n.º 707/2016 da Ordem dos Médicos, de 21 de julho de 2016, que aprova em anexo o Código Deontológico da Ordem dos Médicos, prevê no seu artigo 29.º e seguintes o dever de sigilo médico. O segredo médico não é, porém, absoluto, comportando exceções nos termos do Código Deontológico.

A Ordem dos Médicos está determinada a contribuir, de modo significativo, para a prevenção e combate aos crimes relacionados com a transplantação, através da introdução de disposições específicas que complementem as normas atualmente existentes no domínio dos órgãos humanos.

Assim, e obtido parecer favorável do Conselho Nacional da Ordem dos Médicos relativo à escusa dos médicos do dever de sigilo quando se trate de tráfico de órgãos humanos, aprovado por unanimidade na sua reunião de 2 de julho de 2018, procede-se às seguintes alterações ao Código Deontológico:

Artigo 1.º

Objeto

Alteração ao Código Deontológico da Ordem dos Médicos que constitui o Anexo ao Regulamento n.º 707/2016, passando os artigos 32.º e 68.º do Código Deontológico a ter a seguinte redação:

Artigo 32.º

Escusa do segredo médico

[…]

a) […]

b) […]

c) […]

d) […]

e) As condições referidas no artigo 69.º-A.

Artigo 68.º

Colheita de órgãos ou tecidos humanos em pessoa viva

1 – […]

2 – […]

3 – […]

4 – […]

5 – […]

6 – […]

7 – […]

8 – É interdito ao médico participar nos atos descritos no artigo 69.º-A, bem como na colheita ou transplantação de tecidos humanos objeto de comercialização.»

Artigo 2.º

É aditado ao Anexo do Regulamento n.º 707/2016 da Ordem dos Médicos, o seguinte artigo:

Artigo 69.º

A Crimes relacionados com a transplantação de órgãos humanos

1 – É interdito ao médico realizar, auxiliar ou facilitar:

a) A extração ilícita de órgãos humanos, seja de pessoa viva ou falecida;

b) O transplante de órgãos humanos ilicitamente extraídos;

c) Quaisquer outras atividades ilícitas relativas a órgãos humanos previstas na lei.

2 – Sempre que um médico, envolvido no tratamento de um doente no pré-transplante, tenha conhecimento de factos que indiciem ou confirmem que este está a considerar a hipótese de recorrer a um transplante ilícito, deve tomar as medidas dissuasoras adequadas e outras que se revelem necessárias para impedir a prática do crime, designadamente reportar o caso às autoridades judiciárias competentes para efeitos de investigação criminal, à Ordem dos Médicos e ao Instituto Português do Sangue e da Transplantação, I. P..

3 – Sempre que um médico, envolvido no tratamento ou seguimento de um doente no pós-transplante, tenha conhecimento de factos que indiciem ou confirmem que este foi transplantado em circunstâncias consistentes com o tráfico de órgãos ou com tráfico de pessoas para fins de extração de órgãos, deve reportar o caso às autoridades judiciárias competentes, à Ordem dos Médicos e ao Instituto Português do Sangue e da Transplantação, I. P..

4 – O dever de denúncia referido nos números anteriores deve igualmente ser observado nos casos de avaliação de potenciais dadores vivos, incluindo dadores vivos não residentes, em que haja suspeitas de que a dádiva não é voluntária ou gratuita.»

Artigo 3.º

Entrada em vigor

As presentes alterações ao Código Deontológico entram em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

23 de dezembro de 2019. – O Bastonário, José Miguel Ribeiro Castro Guimarães.»