Parecer sobre estudantes com necessidades educativas especiais no Ensino Superior – Conselho Nacional de Educação

«Parecer n.º 1/2017

Parecer Sobre Estudantes com necessidades educativas especiais no Ensino Superior

Preâmbulo

No uso das competências que por lei lhe são conferidas e nos termos regimentais, após apreciação do projeto de Parecer elaborado pelos relatores António Pedro Barbas Homem, Joaquim Mourato e Pedro Dominguinhos, o Conselho Nacional de Educação, em reunião plenária de 23 de janeiro de 2017, deliberou aprovar o referido projeto, emitindo assim o seu primeiro Parecer do ano de 2017.

Parecer

Introdução

A Comissão Parlamentar de Educação e Ciência solicitou ao Conselho Nacional de Educação a emissão de Parecer acerca de iniciativas parlamentares relativas à frequência do ensino superior por estudantes com necessidades educativas especiais e estudantes com deficiência.

Em especial, estão em causa as seguintes iniciativas:

Projeto de Lei n.º 321/XIII/2.ª (BE) – Isenção de propinas no primeiro e segundo ciclos de estudos no ensino superior para estudantes com deficiência

Projeto-lei n.º 329/XIII/2.ª (PAN) – Acessibilidade efetiva para todos os estudantes com Necessidades Educativas Especiais no Ensino Superior

Projeto de Resolução n.º 358/XIII/1.ª (PS) – Estudantes com Necessidades Educativas Especiais no Ensino Superior

Projeto de Resolução n.º 511/XIII-2.ª (PCP) – Por um ensino público e inclusivo no Ensino Superior

Projeto de Resolução n.º 512/XIII-2.ª (PSD) – Por uma maior inclusão dos Estudantes com Necessidades Educativas Especiais no Ensino Superior

Projeto de Resolução n.º 514/XIII/2.ª (PEV) – Respostas, ao nível do ensino superior, para estudantes com necessidades educativas especiais (NEE)

Projeto de Resolução n.º 515/XIII/1.ª (PAN) – Plano de ação que permita uma efetiva acessibilidade dos alunos com necessidades educativas especiais ao ensino superior

Projeto de Resolução n.º 516/XIII/2.ª (BE) – Apoio aos estudantes com necessidades educativas especiais no ensino superior

Em função do curto prazo de tempo concedido, o Conselho Nacional de Educação limita-se a uma observação na generalidade às diversas iniciativas parlamentares acima identificadas, procedendo, porém, a um prévio enquadramento sumário da matéria em causa. Deste modo, este parecer está dividido em duas partes.

Parte I

1 – Os resultados do Inquérito nacional sobre os apoios concedidos aos estudantes com necessidades educativas especiais no ensino superior (Pires, Pinheiro & Oliveira, 2014; Pires, 2015), realizado pelo Grupo de Trabalho pelo Apoio a Estudantes com Deficiência no Ensino Superior (GTAEDES), mostram que em 2013/2014 existiam 1318 estudantes com necessidades educativas especiais (NEE) a frequentar o ensino superior, dos quais 61 % frequentavam o ensino superior público universitário. Esse valor total de estudantes com NEE no ensino superior distribui-se, por tipologia, do seguinte modo: deficiência motora 256, deficiência visual 235, dislexia 169, deficiência auditiva 160, doenças crónicas 159, doenças do foro psiquiátrico 147, doenças ou problemas neurológicos 90, espetro do autismo 45, multideficiência 28 e outras 29. Por área de estudo, salienta-se que 24 % dos estudantes com NEE estão a frequentar cursos em Direito, Ciências Sociais e Serviços, 17 % em Tecnologias e 14 % em Economia, Gestão, Contabilidade. Os dados também evidenciam um aumento de 502 estudantes com NEE a frequentar o ensino superior, relativamente a 2006/2007.

2 – Quanto ao modo como as instituições de ensino superior se organizam para apoiar os estudantes com NEE, os resultados do Inquérito indicam que 94 instituições (das 172 que responderam a este campo) têm um serviço ou uma pessoa de contacto responsável pelo acolhimento e acompanhamento desses estudantes e 90 instituições (das 169 que responderam) possuem regulamentação especial para estudantes com NEE. Há também referência a adaptações curriculares realizadas pelas instituições, sobretudo ao nível dos prazos, de alternativas aos instrumentos de avaliação e dos próprios instrumentos de avaliação, 92, 91 e 88 instituições, respetivamente. No caso de realização de provas em formato adaptado, foram apontadas principalmente as provas em suporte informático por 99 instituições, provas ampliadas por 98 instituições, provas em registo áudio por 53, provas em carateres Braille por 41 e provas em língua gestual portuguesa por 30. No que diz respeito a adaptações no acesso, cerca de 50 % das instituições indicaram ter adaptações no acesso à totalidade das casas de banho, dos laboratórios, dos parques de estacionamento, das salas de aula e das salas de estudo e cerca de 70 % no acesso à totalidade das bibliotecas e dos parques de estacionamento.

3 – Diversos estudos realizados em Portugal apontam para a existência de várias barreiras à frequência e conclusão do ensino superior por estudantes com NEE, para além das arquitetónicas, como limitações no material pedagógico, diferentes formas de discriminação, dificuldade e acessibilidade à bibliografia recomendada, a ausência de regulamentação específica e falta de continuidade dos apoios disponibilizados aos estudantes no ensino secundário (Rodrigues, 2015). O relatório do Conselho da Europa Access to social rights for people with disabilities in Europe (Maudinet, 2003) apresenta alguns dos principais obstáculos para estes estudantes, tais como limitações na acessibilidade a determinados espaços das instituições, a falta de formação dos professores nesta área ou a utilização de métodos de ensino menos flexíveis, a escassez de métodos de compensação das incapacidades, pouco investimento na formação e educação a distância, e a falta de recursos humanos e financeiros para apoiar os estudantes.

4 – Em matéria de instrumentos normativos, importa referir que Portugal aprovou e ratificou (1), em 2009, a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) adotada na sede da Organização das Nações Unidas em 30 de março de 2007. A Convenção reafirma os princípios universais da dignidade, integralidade, igualdade, diversidade e não discriminação e define as obrigações gerais dos Governos relativas à integração das várias dimensões da deficiência nas suas políticas, cf., nomeadamente, as alíneas a), b), c), i), j), k) e n) da CDPD.

5 – Os princípios enunciados na CRPD encontram-se alinhados com os princípios constitucionais da universalidade dos direitos e deveres fundamentais e da igualdade previstos nos artigos 12.º e 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), bem como com as normas do artigo 71.º que garante aos cidadãos portadores de deficiência o gozo pleno dos direitos e a sujeição aos deveres consignados na Constituição, com ressalva do exercício ou do cumprimento daqueles para os quais se encontrem incapacitados. Na CRP destacam-se ainda, no que ora interessa, a norma do artigo 43.º, liberdade de aprender e ensinar; do artigo 74.º, que garante o direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar e incumbe o Estado garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística, promover e apoiar o acesso dos cidadãos portadores de deficiência ao ensino e apoiar o ensino especial, quando necessário e proteger e valorizar a língua gestual portuguesa, enquanto expressão cultural e instrumento de acesso à educação e da igualdade de oportunidades; e do artigo 76.º que prevê a universidade e acesso ao ensino superior.

6 – Por seu turno, a Lei n.º 46/86, de 14 de outubro, que aprovou a Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE), estabelece que a educação especial se organiza preferencialmente segundo modelos diversificados de integração em estabelecimentos regulares de ensino, tendo em conta as necessidades de atendimento específico, podendo também processar-se em instituições específicas quando comprovadamente o exijam o tipo e o grau de deficiência do estudante. A LBSE comete ao Estado a promoção da democratização do ensino, garantindo o direito a uma justa e efetiva igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolares e estabelece, em matéria de ensino superior, que os regimes de acesso e ingresso no ensino superior obedecem, designadamente, aos princípios da democraticidade, equidade e igualdade de oportunidades. Ao Estado incumbe também criar as condições que garantam aos cidadãos a possibilidade de frequentar o ensino superior, de forma a impedir os efeitos discriminatórios decorrentes das desigualdades económicas e regionais ou de desvantagens sociais prévias. Em matéria de objetivos da educação especial assumem relevo: a) O desenvolvimento das potencialidades físicas e intelectuais; b) A ajuda na aquisição da estabilidade emocional; c) O desenvolvimento das possibilidades de comunicação; d) A redução das limitações provocadas pela deficiência; e) O apoio na inserção familiar, escolar e social de crianças e jovens deficientes; f) O desenvolvimento da independência a todos os níveis em que se possa processar; g) A preparação para uma adequada formação profissional e integração na vida ativa (cf. n.º 3 do artigo 20.º).

7 – Em execução destes princípios e normas, o Decreto-Lei n.º 296-A/98, de 25 de setembro (2), regula o regime de acesso e ingresso no ensino superior. Em regulamentação do artigo 28.º deste decreto-lei, a Portaria n.º 199-B/2016, de 20 de julho, que aprova o Regulamento do Concurso Nacional de Acesso e Ingresso no Ensino Superior Público para a Matrícula e Inscrição no Ano Letivo de 2016/2017, prevê na alínea e) do n.º 2 do artigo 10.º que na 1.ª fase as vagas fixadas para cada par instituição/curso são distribuídas por um contingente geral e por contingentes especiais. Assim, para candidatos com deficiência física ou sensorial, com o maior dos seguintes valores: 2 % das vagas fixadas para a 1.ª fase ou duas vagas. Podem concorrer às vagas do contingente especial para candidatos com deficiência física ou sensorial, os estudantes que satisfaçam os requisitos constantes do anexo II que define as regras de admissão ao contingente (artigo 15.º).

Parte II

8 – O CNE enuncia de seguida um conjunto de aspetos que devem merecer especial atenção na elaboração das políticas de inclusão no ensino superior.

Assim, na generalidade:

8.1 – Tornar o ensino superior acessível a todos e mais democrático é tarefa do Estado e da sociedade.

A concretização da Constituição e da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência exige medidas positivas do Estado, no sentido de criar condições, não apenas para o acesso, mas para a sua frequência em condições de efetiva igualdade no sucesso educativo.

Neste sentido, iniciativas inclusivas, facilitadoras do acesso e da frequência de todos os estudantes ao ensino superior, devem ser apoiadas.

8.2 – Por este motivo, a legislação a aprovar deve ser clara nos conceitos e finalidades, de tal modo que o seu âmbito de aplicação seja rigorosamente delimitado. Se nenhum dos estudantes com necessidades educativas especiais deve ser deixado fora do ensino superior, também é importante que não seja a própria legislação a criar um efeito discriminatório ou estigmatizante nos interessados.

8.3 – É importante que a aprovação de medidas legislativas nesta matéria seja precedida de estudos rigorosos, de modo a antecipar, em relação a cada instituição, estratégias adequadas de apoio aos estudantes, de um lado, e a medir, de outro, o possível impacto financeiro.

8.4 – Deve evitar-se a aprovação de legislação simbólica, criadora de expectativas não realizáveis. Pelo mesmo motivo, as instituições centrais dos Ministérios responsáveis pelo ensino secundário e pelo ensino superior devem articular-se para identificar a situação de cada estudante que esteja a frequentar o ensino superior e assim programar as medidas específicas que em cada instituição e curso do ensino superior possam vir a justificar-se.

8.5 – Em especial e tendo em vista o sucesso escolar dos estudantes com necessidades educativas especiais, é necessário prever e programar eventuais reforços orçamentais de que as instituições públicas de ensino superior venham a necessitar, quer em consequência de dispensa do pagamento de propinas, quer do planeamento de programas científicos e pedagógicos dirigidos a estes estudantes.

8.6 – Como sabemos, tais programas requerem meios humanos e tecnológicos não disponíveis na maior parte das instituições. Em causa não está apenas o acesso aos cursos, mas frequentemente a adaptação dos modelos de ensino, formação e investigação aos estudantes. Reconhecendo-se que as instituições não estão preparadas para desenhar e implementar programas criados especificamente para este tipo de estudantes, será importante prever, para além de eventuais apoios financeiros, aconselhamento e acompanhamento por parte de instituições e pessoas especializadas.

É assim vital um levantamento dos elementos fundamentais necessários para prever e programar ações concretas por parte das instituições.

8.7 – De outro lado e no que respeita aos próprios estudantes, o apoio poderá ser feito através da Ação Social Direta, tal como já previsto no Orçamento de Estado para 2017, eventualmente majorando-se os estudantes portadores de deficiência. Parece ser razoável a majoração do seu financiamento. Contudo, como o financiamento das instituições de ensino superior assenta numa base histórica, será necessário adequar o modelo de financiamento em vigor a estas situações.

Referências:

Maudinet, M. (2003). Access to social rights for people with disabilities in Europe. Council of Europe.

Pires, L. (2015). Os apoios aos Estudantes com NEE no Ensino Superior. Apresentação dos resultados do Inquérito Nacional – GTAEDES e DGES. Comunicação no Workshop Ensino Superior para Estudantes Cegos e Surdos. Organização Projeto Isolearn. Fundação Calouste Gulbenkian. Recuperado de .

Pires, L., Pinheiro, A., & Oliveira, V. (2014). Inquérito nacional sobre os apoios concedidos aos estudantes com necessidades educativas especiais no ensino superior. Seminário Inclusão no Ensino Superior – 10 anos do Grupo de Trabalho para o Apoio a Estudantes com Deficiência no Ensino Superior. Recuperado de .

Rodrigues, F. (2015). Universidade inclusiva e o aluno com necessidades especiais – a investigação realizada em Portugal. Dissertação de Mestrado em Psicologia da Educação. Universidade da Madeira.

(1) Resoluções da Assembleia da República n.os 56/2009 e 57/2009, de 30 de julho, e Decretos do Presidente da República n.º 71/2009, e 72/2009, de 30 de julho.

(2) Com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei, n.º 90/2008, de 30 de maio, n.º 45/2007, de 23 de fevereiro, n.º 40/2007, de 20 de fevereiro, n.º 147-A/2006, de 31 de julho, n.º 158/2004, de 30 de junho, n.º 76/2004, de 27 de março, n.º 26/2003, de 7 de fevereiro, n.º 99/99, de 30 de março.

23 de janeiro de 2017. – O Presidente, José David Gomes Justino.»