Assembleia da República recomenda ao Governo o reforço urgente da rede nacional e da formação em cuidados paliativos

«Resolução da Assembleia da República n.º 131/2021

Sumário: Recomenda ao Governo o reforço urgente da rede nacional e da formação em cuidados paliativos.

Recomenda ao Governo o reforço urgente da rede nacional e da formação em cuidados paliativos

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, considerando necessária a ampliação e melhoria da Rede Nacional de Cuidados Paliativos e de outros serviços públicos no alívio da dor e do sofrimento das pessoas que vivem com e são afetadas por doenças que limitam a vida, recomendar ao Governo que:

1 – Reconheça às pessoas com doenças graves e/ou avançadas e progressivas, qualquer que seja a sua idade, diagnóstico, ou estádio da doença, o direito à livre escolha entre os cuidados paliativos hospitalares e domiciliários.

2 – Reforce a Rede Nacional de Cuidados Paliativos (RNCP) e proceda ao seu alargamento, em parceria com as instituições do setor social, em pelo menos 25 %, até ao final do ano de 2021.

3 – No âmbito das equipas de cuidados paliativos do Serviço Nacional de Saúde (SNS):

a) Efetive o previsto no Orçamento do Estado para 2020 sobre a criação e funcionamento de uma equipa comunitária de suporte em cuidados paliativos (ECSCP) por cada agrupamento de centros de saúde/unidade local de saúde (ACES/ULS) e uma unidade de cuidados paliativos em todos os centros hospitalares e universitários e institutos portugueses de oncologia (IPO);

b) Constitua as equipas intra-hospitalares de suporte em cuidados paliativos em falta, assegurando que são equipas completas, com recursos humanos capacitados e tempo assistencial adequado, a distribuir pelas áreas geográficas onde a sua cobertura ainda não é total;

c) Constitua as necessárias ECSCP, completas, com recursos humanos capacitados e com tempo assistencial adequado, por forma a assegurar a cobertura nacional, dando particular atenção às regiões onde estas equipas estão em manifesto défice como sejam as de Aveiro, Braga, Castelo Branco, Coimbra, Leiria e Vila Real;

d) Crie 100 ECSCP, até final de 2022, para que estas atendam doentes no domicílio e simultaneamente se articulem com as equipas de cuidados continuados integrados (ECCI) da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI).

4 – Aumente o número de camas na RNCCI e, especificamente, de unidades de internamento de cuidados paliativos (UCP-RNCCI), procedendo:

a) À abertura urgente das camas de cuidados paliativos em falta, a distribuir de acordo com as necessidades efetivas das várias regiões do país, com calendarização e garantias de efetivo cumprimento;

b) Ao reforço da capacidade de resposta da RNCP através do aumento do número de unidades em cuidados paliativos hospitalares, por forma a dotar o país, no final de 2022, com, pelo menos, um total de 900 camas;

c) Para garantir o reforço referido na alínea anterior, à avaliação e estudo da possibilidade de utilizar instalações e serviços desativados ou subocupados dos hospitais do SNS em virtude de terem sido construídas novas unidades ou transferidos serviços para outros hospitais;

d) À criação de unidades de cuidados paliativos pediátricos de referência, pelo menos uma por região de saúde, as quais devem funcionar na dependência direta dos serviços de pediatria existentes nas unidades hospitalares de referência na região;

e) À garantia de que todas as unidades de RNCCI que não disponham de UCP-RNCCI dispõem de uma equipa de cuidados paliativos de referência;

f) À criação de incentivos à produção e aumento do financiamento per capita das unidades locais de saúde.

5 – Dote as unidades de internamento e as equipas comunitárias e intra-hospitalares de recursos humanos suficientes e adequados, garantindo as dotações seguras e a multidisciplinariedade, para tal:

a) Reforçando as ECSCP com a seguinte dotação, considerando um rácio para 150 000 habitantes: dois médicos; quatro enfermeiros; um psicólogo em tempo completo; e um assistente social a meio tempo;

b) Criando incentivos à fixação de equipas, com particular incidência na obtenção de formação avançada em cuidados paliativos pediátricos nas áreas de prestação de cuidados de medicina, enfermagem, psicologia e serviço social;

c) Atribuindo prioridade à contratação de recursos humanos específicos, conferindo autonomia de contratualização aos decisores intermédios;

d) Abrindo concursos extraordinários de pessoal, de forma a suprir os recursos humanos em falta;

e) Promovendo a abertura de concursos para contratação de recursos humanos e equipamento clínico e a sua capacitação técnica nos diferentes níveis de formação recomendados;

f) Valorizando a dedicação completa dos médicos aos cuidados paliativos nas unidades prestadoras do SNS, designadamente através do estabelecimento de incentivos remuneratórios, de progressão na carreira ou de aperfeiçoamento e atualização profissionais, bem como pelo aumento da duração do período de férias, entre outros apoios não financeiros.

6 – Garanta formação específica e contínua em cuidados paliativos, de forma a:

a) Possibilitar formação pré e pós-graduada a todos os profissionais de saúde, para que identifiquem mais precocemente doentes com necessidades paliativas e para que façam uma abordagem paliativa adequada às necessidades dos doentes e familiares;

b) Desenvolver a formação pré-graduada obrigatória de:

i) Medicina Paliativa nas Faculdades de Medicina portuguesas, de acordo com as recomendações para esta área, com carga curricular consistente e em moldes a fixar;

ii) Cuidados Paliativos, nas escolas de Enfermagem portuguesas, de acordo com as recomendações para esta área e em moldes a fixar;

iii) Medicina Paliativa, faseadamente e de acordo com a existência de um corpo docente habilitado para ministrar esta formação, nos internatos médicos de, pelo menos, as seguintes especialidades: Medicina Interna, Oncologia, Medicina Geral e Familiar, Neurologia e Pediatria, de acordo com as recomendações para esta área em moldes a fixar;

c) Diligenciar junto da Ordem dos Médicos para que seja criada a especialidade de Medicina Paliativa;

d) Criar mecanismos de formação básica obrigatória em cuidados paliativos para os profissionais do SNS, com abrangência semelhante aos cursos de suporte básico de vida, na qual se incluam as temáticas da adequação terapêutica e da ortotanásia;

e) Criar formação intermédia em áreas de ligação específicas entre cuidados paliativos e urgência, emergência pré-hospitalar, saúde mental, cuidados intensivos, medicina interna, infeciologia, cardiologia, pneumologia e nefrologia (hemodiálise).

7 – Reforce o apoio aos cuidadores informais, através da articulação do Ministério da Saúde com o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, por forma a:

a) Disponibilizar vagas nas estruturas residenciais para idosos para serem usadas para doentes paliativos não complexos com necessidade de internamento por claudicação familiar;

b) Criar uma linha telefónica de apoio ao doente e cuidador informal, na dependência da Linha Saúde 24, exclusiva para os cuidados paliativos e coordenada por enfermeiros com formação específica em cuidados paliativos;

c) Criar a figura do «gestor do doente» para a pessoa que necessite de receber cuidados paliativos, atribuindo-lhe a responsabilidade pelo acompanhamento do doente e sua família no decurso da doença, bem como pela ligação entre os serviços de saúde e de segurança social;

d) Criar medidas específicas para a reintegração laboral a tempo parcial ou completo para o cuidador informal, durante e após o período de cuidados ao doente;

e) Promover o atendimento prioritário do cuidador informal nos serviços de saúde, especialmente na área da psiquiatria e saúde mental, bem como nos serviços de segurança social e na autoridade tributária, de forma a reduzir o seu tempo de ausência junto do doente;

f) Criar incentivos económicos às equipas de cuidados paliativos que possibilitem o gozo de períodos de descanso do cuidador ou que criem parcerias com o referido objetivo, de forma gratuita para o utilizador;

g) Criar incentivos económicos às equipas de cuidados paliativos que disponham de serviços de apoio nas atividades básicas de vida diária, nomeadamente higiene e alimentação, ou que criem parcerias nesse sentido;

h) Tomar medidas de apoio aos doentes, suas famílias e cuidadores informais, em contexto específico de cuidados paliativos, garantindo àqueles o efetivo e atempado acesso aos cuidados de que necessitem, independentemente do seu local de residência.

8 – Assegure o apoio telefónico, nos cuidados domiciliários, por forma que os doentes e familiares possam aceder a aconselhamentos e orientações em tempo real.

9 – Crie condições para a presença de cuidados paliativos nas consultas de decisão terapêutica, bem como consulta presencial precoce nos serviços de oncologia.

10 – Tome as medidas e crie as condições necessárias para que, progressivamente, os profissionais que prestam cuidados paliativos se fixem nesta área assistencial e se dediquem em exclusivo e este tipo de cuidados.

11 – Defina e publique a carta de articulação entre as ECSCP e as ECCI, procedendo à auscultação das entidades com responsabilidades ao nível dos cuidados paliativos e dos cuidados continuados.

12 – Remodele o plano estratégico para o desenvolvimento dos cuidados paliativos (PEDCP), baseando o novo plano no rigor na estimação de recursos, tempos alocados e implementação, assim como na garantia de uma cobertura universal, a nível nacional, destes recursos, integrando as recomendações internacionais.

13 – Apoie as entidades prestadoras de cuidados paliativos não pertencentes ao SNS, através da:

a) Revisão do atual modelo de contratualização entre as unidades do setor social e solidário com o SNS para a manutenção das camas de cuidados paliativos, integrando-as na RNCP;

b) Criação de modelos de financiamento específicos para as unidades do setor social e solidário, os quais devem ser flexíveis e calculados de acordo com a complexidade dos doentes, utilizando-se, para o efeito, modelos científicos de medição de complexidade, devidamente validados;

c) Criação de incentivos à abertura de novas camas no setor social e solidário, em instituições que demonstrem capacidade de cumprir os objetivos estabelecidos no PEDCP, integrando-as na RNCP.

14 – Crie incentivos de financiamento à abertura de unidades e ou equipas de cuidados paliativos na doença psiquiátrica e na demência, promovendo parcerias com organizações privadas, nomeadamente solidárias ou de mecenato.

15 – Reforce os dispositivos de troca de informações entre as unidades de cuidados paliativos e os serviços hospitalares, através da criação de uma «via verde de cuidados paliativos», de forma a permitir o reconhecimento e sinalização precoce de doentes com necessidades paliativas que se apresentem aos serviços de urgência.

16 – Reforce a coordenação regional de cuidados paliativos, através das administrações regionais de saúde, às quais deve competir a promoção da comunicação e colaboração entre as equipas prestadoras de cuidados paliativos, entre si e com os serviços de saúde, independentemente da sua natureza jurídica pública, social ou privada, tendo em vista a referenciação atempada dos doentes para os serviços de cuidados paliativos e a melhoria da sua definição no momento da alta hospitalar.

17 – Apresente, com urgência, um cronograma onde identifica prazos e montantes para a concretização dos números anteriores.

Aprovada em 8 de abril de 2021.

O Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues.»